BC 'CORRIGE' ATA E DÁ SINAIS DE MAIOR APERTO MONETÁRIO

BC PODE INTENSIFICAR APERTO MONETÁRIO, DIZ CARLOS HAMILTON
Valor Econômico - 26/04/2013
Para o diretor de Política Econômica, PIB potencial caiu para 3,1%; câmbio e crédito público pressionaram demanda

Em meio a idas e vindas da sua comunicação, o Banco Central (BC) sinalizou ontem que pode "intensificar" o aperto monetário iniciado na semana passada, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de juros (Selic) de 7,25% para 7,5% ao ano. Durante evento em São Paulo, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton de Araújo, elevou o tom da preocupação com a alta dos preços e declarou que a "escolha do Copom é o combate à inflação".
"Cresce em mim a convicção de que o Copom poderá ser instado a refletir sobre a possibilidade de intensificar o uso do instrumento de política monetária [a taxa Selic]", disse o diretor do BC ao participar de conferência promovida pelo Itaú BBA. "Em termos líquidos, o balanço de riscos da inflação é desfavorável", afirmou ele em outro momento de sua palestra.
O discurso surpreendeu o mercado porque a ata da última reunião do Copom, divulgada poucas horas antes da apresentação de Hamilton, trazia um tom moderado de preocupação com a inflação. Após a divulgação da ata, as taxas de juros negociadas no mercado futuro chegaram a operar em queda. Depois do discurso do diretor, elas saíram das mínimas e entraram em tendência de alta.
Apesar do tom duro usado por Hamilton, o mercado ficou confuso com os sinais emitidos pelo BC. Como o diretor é responsável pelos modelos econométricos da instituição, ele costuma ser visto como uma voz isolada dentro do Copom, uma espécie de reserva técnica e guardião do regime de metas para inflação, livre, portanto, de influências políticas.


Ontem, esse quadro mudou. Pouco depois da fala do diretor de Política Econômica, fontes graduadas do governo informaram ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor, que Hamilton falou em nome de toda a diretoria do Banco Central. A apresentação feita na conferência de ontem foi preparada a quatro mãos com o presidente da instituição, Alexandre Tombini.
Tombini teria opinado, também, na confecção das apresentações feitas, em Washington, pelo diretor de Assuntos Internacionais do BC, Luiz Awazu Pereira, durante eventos paralelos à reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI), realizada no último fim de semana. Nos dois casos, os recados dos diretores foram claros: o Brasil vive um problema de pressão de demanda, que está tornando a inflação difusa e persistentemente elevada, e o remédio neste momento para controlá-la é o aumento da taxa Selic.
Ao ser informado de que a mensagem de Hamilton refletia não uma posição isolada, mas a opinião unânime da diretoria do BC, o mercado retomou o cenário que projeta um possível aumento de 0,5 ponto percentual na taxa Selic, no próximo encontro do Copom, em 28 e 29 de maio. Antes, o consenso era de que haveria uma alta de apenas 0,25 ponto percentual. Agora, ressurgem apostas, ainda minoritárias, não só de uma maior elevação no próximo mês, mas também de um ciclo mais intenso de aperto monetário.
Durante a palestra proferida ontem, Carlos Hamilton rechaçou avaliações de que a inflação no Brasil esteja fora de controle. "Não está nem estará", disse. O diretor reconheceu que o "contexto atual não é dos mais simples" e elencou algumas variáveis que, para ele, explicam essa percepção. Ele classificou como "complexo" o ambiente global, que contempla "elevados riscos à estabilidade financeira".
Pela primeira vez, um integrante do governo reconheceu publicamente que o chamado PIB potencial, isto é, a capacidade de o país crescer sem descontrole inflacionário, diminuiu. Para Hamilton, o potencial hoje não se distancia muito de 3,1% ao ano - em 2010, economistas dentro e fora do governo acreditavam que estava entre 4% e 5%. Ele atribui o novo "teto" à baixa taxa de investimento - o estoque está em torno de 18% do PIB. Por causa disso, caso a demanda cresça "sistematicamente muito acima" de 3,1% ao ano, disse Hamilton, é possível que haja pressões inflacionárias.
O diretor explicou que o BC vem comunicando que as limitações no campo da oferta não podem ser atacadas via política monetária. O diretor do BC ressalvou que o juro pode ajudar a impulsionar o PIB, mas sustentou que essa contribuição "somente" pode ocorrer com uma inflação baixa e estável.
Hamilton voltou a defender o papel do BC como guardião da moeda. Disse que a situação atual da economia abre espaço para a percepção de que há mais problemas do que soluções, desequilíbrio que aumenta as chances de que decisões erradas sejam tomadas. "Esse definitivamente não é o caso do Copom, pois a escolha do Comitê é o combate à inflação", observou. "Essa escolha deriva de seu compromisso com o regime de metas e do fato de o BC ter como missão manter a estabilidade do poder de compra da moeda".
O integrante do Copom fez questão de lembrar que o BC dispõe, e está fazendo uso, da taxa Selic, instrumento, que, segundo ele, por excelência destina-se a combater à inflação e "o faz com eficácia". Ele reiterou que a experiência internacional aponta que inflação baixa e estável é uma pré-condição para o crescimento sustentável e que, portanto, o controle dos preços "não é panaceia, é condição necessária".
O diretor mandou recados ao governo ao afirmar, também pela primeira vez em público, que a inflação foi pressionada nos últimos meses pela depreciação do câmbio e pelas políticas fiscal, monetária e parafiscal (empréstimos do BNDES, por exemplo). Ele deixou claro que os preços subiram não apenas em decorrência de choques de oferta domésticos e externos, como vem advogando o Ministério da Fazenda. E chamou a atenção para o fato de a política fiscal ter se tornado expansionista. "Não são desprezíveis as chances de que esse quadro persista no horizonte da política monetária", advertiu.
Segundo Hamilton, a demanda doméstica tem sido o grande suporte da economia brasileira. A expectativa do BC é que ela cresça 3,5% neste ano, uma vez que os principais fatores de sustentação do consumo das famílias continuam presentes, embora com moderação. "O investimento ultimamente tem sido a parcela da demanda mais frágil, mas pode reagir mais rapidamente neste ano", ponderou o diretor, enfatizando que o "programa de concessão pública pode ser catalisador de confiança".
No front externo, os riscos à estabilidade financeira global continuam elevados. "No horizonte relevante para a política monetária, poderemos testemunhar início do processo de normalização das condições monetárias nos Estados Unidos", disse o diretor do BC. Esse evento tende a gerar volatilidade nos preços dos ativos. "A volatilidade recente serve para lembrar que o ambiente segue complexo. Mas o pior momento para a atividade global no pós-crise ficou para trás."