Brasil S.A.

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 17/04/2013

A nova rodada de projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) piorou ligeiramente as perspectivas do crescimento econômico global este ano e manteve em stand-by o cenário de 2014. O crescimento foi reduzido de 3,5% para 3,3% entre o cenário anunciado em janeiro e o atual, enquanto a projeção para 2014, de 4%, não sofreu alteração.
Numa visão sintética, a partir dos cenários das grandes economias, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA perde força este ano, desacelerando de 2,2% em 2012 para 1,9%, e voltaria em 2014 a ganhar pique, com crescimento previsto de 3% (e chegando a 2018, na simulação do FMI, crescendo 2,9%). A Europa do euro tende a piorar.

O PIB europeu, na bola de cristal do FMI, seguirá em recessão este ano, recuando 0,3%, depois de perder 0,6% em 2012. Em 2014, teria alta de 1,1%, subindo a 1,6% em 2018, desempenho incapaz de aliviar sensivelmente o desemprego, hoje de 12% na média, variando de 4,8% na Áustria e 5,4% na Alemanha a 26,3% na Espanha e 26,6% na Grécia. A China conseguiria, segundo roteiro do novo governo do presidente Xi Jinping, orientar o padrão da economia (guiado por investimentos maciços em infraestrutura e exportações) para o mercado interno sem perder dinamismo. O crescimento de 7,8% em 2012 passaria a 8% este ano, 8,2% em 2014 e 8,5% em 2018. A ver. O PIB chinês perdeu pique no primeiro trimestre, crescendo apenas 7,7% em base anual.
Enfim, fechando o quadro dos países que manejam os cordéis do PIB global, a economia do Japão, terceira maior depois da dos EUA e da China (ou quarta, considerando-se o bloco do euro), seguiria, pelo mapa do FMI, andando de lado. O crescimento recuaria de 2% no ano passado para 1,6% em 2013, 1,4% em 2014 e voltaria a 1,1% em 2018.
Tais previsões, contudo, antecedem o anúncio do governo do premiê Shinzo Abe de superar a deflação crônica que acomete a economia do país por meio de emissões ilimitadas de ienes pelo Banco do Japão. É pouco provável também que os EUA tenham recebido um olhar menos comprometido com a questão fiscal, resultado mais da peleja entre a oposição e o governo Barack Obama que de incapacidade de a economia gerar uma receita que aquiete os "vigilantes" da dívida pública.
Correndo atrás do mundo
O incômodo no cenário revisado do FMI é o que está previsto para o Brasil: crescimento de 3% este ano, reduzido da estimativa de 3,5% feita em janeiro, avançando para 4% no ano eleitoral de 2014 e indo até 4,2% em 2018. São números melhores que as taxas de expansão do PIB de 2,7% em 2011 e 0,9% em 2012, dando ao governo Dilma Rousseff um crescimento médio anual de 2,65% — pouco acima da média de 1995 a 2004, calculada pelo FMI em 2,5%. Nada brilhante. E não é tudo.
Por cinco anos, de 2007 a 2010, a economia brasileira cresceu mais que a média global, invertendo o padrão de 1995 a 2004 (3,6% ao ano do PIB global, contra 2,5% do Brasil) até 2006. Desde 2011, porém, a economia corre atrás do crescimento global (de 4% em 2011, 3,2% em 2012 e previstos 3,3% este ano). Saindo tudo bem em 2014, a taxa de expansão se igualará à do PIB global, mas em 2018, no cenário do FMI, voltaria a andar atrás, com o PIB mundial crescendo 4,5% (e o brasileiro, 4,2%). Tem algo estrutural nestes números.
20 anos sem imaginação
O que há a cogitar é se 20 anos de ajuste fiscal, de resgate da solvência cambial e de incerteza da inflação, com cada meta tratada como antagônica ao investimento, não esgotaram a força da economia para aproveitar o ciclo ascendente do consumo e elevar a produção. Ela aconteceu onde havia demanda externa e produtividade à farta, o caso das commodities básicas, como minério de ferro e grãos. O resto — sem folga do câmbio (usado para controlar a inflação), com impostos acima dos cobrados em economias concorrentes, com os salários avançando sobre a taxa de produtividade (parte devida ao fenômeno demográfico) — perdeu aos poucos a dinâmica da expansão, tornando-se maquiladora de luxo de processos concebidos em centros avançados e em emergentes que se industrializaram antes de entrar no mercado de consumo (como China e outras economias asiáticas).
Deficit externo avança
Não há crise com o cenário de uma economia com quase tudo a fazer e viés de crescimento movido a carroça. Basta a economia confirmar o cenário do FMI para a inflação não explodir e o desemprego, mesmo avançando alguma coisa, continuar em níveis baixos. É lícito prever algum avanço do investimento em infraestrutura e pouco da indústria de transformação. Mas sem mercado de capitais amplo, o país voltará a apelar à "poupança externa", abrindo o deficit em conta corrente de 2,3% do PIB em 2012 para 2,4% agora e 3,4% em 2018, prevê o FMI. Isso para o PIB crescer 4%. Se for mais, o deficit também será.
O país na encruzilhada
A inflação, esta obsessão nacional, aparece mansa nos cenários do FMI, decrescendo de 5,8% em 2012 para 5,5% este ano e chegando ao centro da meta de variação anual (4,5%) ao fim de 2014. Ela sempre exige cautela, mas fato é que se acende muita vela a mau defunto. Como é conduzida, condiciona o crescimento, em vez de dar condição para a economia crescer, e fomenta esquisitices fiscais (para mover ora o consumo, ora o investimento) que o Banco Central depois tenta corrigir apertando os juros, que criam outras distorções.
Esta é uma encruzilhada. Sem superá-la, cai-se no para-anda que é a história do crescimento desde a insolvência legada pelos governos militares. A saída não é simples, mas não é impossível. Só não será pelo Estado, como foi na ditadura. O orçamento fiscal bateu no teto e o crédito regado pelo Tesouro, além de oneroso, se esgarçou. A subestimada solução do mercado de capitais é o que há à mão até para a vulnerabilidade externa não voltar (como farsa) a assombrar.