ICMS: guerra fiscal ou de jurisprudência?

    Eduardo Diamantino
    05/10/2009
VALOR ECONÔMICO

O noticiário jurídico anda movimentado. Jurisprudência já teve como função pacificar as relações, transmitindo segurança jurídica. Pelo jeito mudou.

Às vezes acredito que nós, advogados, somos treinados a gostar das coisas do jeito delas. As mudanças são sempre coisas de revolucionário e implicam, necessariamente, uma ruptura da ordem vigente.

Os tribunais superiores nos mostram que estamos radicalizando. Nos últimos tempos deparamo-nos com interessantes mudanças nos julgamentos de teses do IPI, alíquota zero não-tributado, crédito-prêmio e uma triste lista de derrotas do contribuinte.

Para não dizer que só existem espinhos nessa absurda relativização da coisa julgada, temos a interessante notícia de que o STJ passou a autorizar a restituição do ICMS pago a maior em casos de substituição tributária.

Pensava eu que tal tese estivesse totalmente superada com o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) 1.851-4/AL, que teve como requerente a Confederação Nacional do Comércio e requerido, o governador do Estado de Alagoas. Esse julgamento concluiu que independentemente do valor da operação estar menor do que o presumido na operação de substituição tributária, o contribuinte não terá direito de se valer da diferença.

A partir de então, o Supremo Tribunal Federal (STF) enterrou o pretenso direito dos contribuintes de repetirem eventuais débitos tributários decorrentes de produtos sobre substituição tributária que tinham sido comercializados por valor inferior. À época muito se comentou sobre essa decisão. A doutrina esbravejou e inúmeras ações em curso foram alteradas. As decisões de primeira instância que tendiam à concessão da restituição caíram por terra.

O Supremo entende que "admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que terminaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação."

De lá para cá inúmeros Estados partiram para institucionalizar a substituição tributária e aumentar a sua capacidade arrecadatória. Nesse sentido, exemplo melhor não há que o de São Paulo, que colocou inúmeros produtos sobre o manto da substituição, alguns deles, além de refrigerantes e cervejas, são produtos de perfumaria, higiene e limpeza, bebidas quentes e todos os medicamentos, CDs, DVDs, fitas magnéticas e peças automotivas, materiais elétricos, materiais de construção, mais alguns alimentos como chocolates, biscoitos, barras de cereais, entre outros. Instrumentos musicais, bicicletas, colchões e travesseiros, ferramentas etc.

Sem querer radicalizar, poderíamos dizer que em matéria tributária o governo de São Paulo só teve duas atribuições: reformar Tribunal de Impostos e Taxas (TIT); e ampliar a lista de operações sobre substituição.

Pois bem, o STJ, no julgamento de recente agravo de instrumento, tirado de processo oriundo de São Paulo, decidiu de forma contrária ao posicionamento atual do Supremo, exarado na Adin nº 1.851. Determinou o STJ que estando o contribuinte no Estado de São Paulo, poderia se valer da diferença do valor recolhido a maior.

Dessa leitura é forçoso concluir de que fica por conta do convênio nº 13, de 1997 ao qual São Paulo não aderiu. Dado convênio tinha como objetivo prevenir eventual guerra fiscal, caso algum Estado permitisse a restituição de ICMS cobrado a maior quando a operação final fosse de valor inferior ao crédito presumido.

Agora, ao invés de prevenir está a ocasionar mais uma guerra, desta vez jurisprudencial. O STJ foi técnico, disse que é inaplicável a Adin em questão por não ser o Estado de São Paulo signatário do convênio nº 13.

Interessante é que ao analisar a questão em 2002 o Supremo disse: "... irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (Lei C omplementar nº 24/75 artigo 2º, inciso 2º)". No mesmo sentido, podemos citar Pernambuco, Santa Catarina e Paraná.

O que é mais incrível é que a decisão do Supremo não terminou. Existem ainda as Adins nº 2.675 e nº 2.777 que tratarão do tema e podem novamente alterar a questão.

Enquanto isso, ficam os contribuintes sem entender o que está acontecendo e o que é ou não o seu direito. Restam-lhes, inicialmente, duas atitudes: pleitear os seus direitos ainda que não se saiba o desnível da questão ou deixar passar e aguardar que um dia tudo se resolva.

Acredito que uma terceira opção seja possível: rogar aos tribunais superiores que deixem de relativizar a coisa julgada e lembrem-se que essencial é a segurança jurídica.

Eduardo Diamantino é sócio do escritório Diamantino Advogados Associados e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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