Regras mais liberais para o mercado de câmbio

VALOR ECONÔMICO
Claudia Safatle
30/10/2009

Há um leque de medidas de liberalização do mercado de câmbio que o Banco Central avalia que causa menos danos colaterais e pode ter efeito mais duradouro do que a tributação do ingresso de capitais externos para aplicações em renda fixa ou variável, a uma alíquota de 2% de IOF.
Os fundos de pensão foram autorizados recentemente, pelo Conselho Monetário Nacional, a investir 10% dos patrimônio no mercado internacional, desde que a aplicação seja feita através de um fundo de investimento local. Isso significa que os fundos podem destinar até R$ 45 bilhões para aplicações fora do país. Essa medida, porém, ainda enfrenta algumas barreiras.

Há questões importantes, nesse caso, que não estão claras: como fazer essa operação, que tipo de tributação ela terá, se a contabilização deverá ser feita por marcação a mercado. Outro problema é onde investir. Uma possibilidade que poderia ser aberta aos fundos de pensão, dado que a rentabilidade no Brasil é das melhores do mundo, é o Tesouro Nacional emitir títulos indexados a índices de preços (uma NTN-B) no mercado externo. A vantagem de colocar papéis do governo brasileiro, em relação à aquisição de ativos de empresas ou de governos estrangeiros, é que as NTN-B já são bem conhecidas dos fundos e guardam coerência com as suas metas atuariais.

Claro que essa discussão não cabe só ao BC. Ela tem que envolver sobretudo a Secretaria de Previdência Complementar e o Ministério da Fazenda.

Os fundos multimercados também têm limites para operar fora. Podem aplicar até 30% do patrimônio no mercado internacional. E mesmo pessoas físicas que queiram, por alguma razão, destinar parte dos seus rendimentos a uma poupança em moeda estrangeira - embora não haja qualquer impedimento legal - não conseguirão fazê-lo, tantas são as dificuldades colocadas pelos bancos.

Ou seja, ainda há, apesar de todas as flexibilidades já adotadas nos últimos anos, toda uma rede de empecilhos para se operar com moeda estrangeira, tecida ao longo de décadas de restrições de financiamentos do balanço de pagamentos do país.

A legislação e a prática consolidadas durante os anos passados correspondem a uma situação de forte escassez de dólares, embora a realidade de hoje seja oposta. O governo se vê diante de um fluxo enorme de dólares, o real se valoriza prejudicando as exportações brasileiras e, vira e mexe, surge a tentação de namorar com ideias mais firmes de controle da entrada de capitais no país.

A iniciativa do Ministério da Fazenda, de taxar o ingresso de capitais com um IOF de 2%, é apenas a reedição de uma medida já adotada inúmeras vezes, cujos efeitos são muito modestos e de curto prazo. Em entrevista ao Valor, publicada ontem, o próprio ministro Guido Mantega admitiu que o imposto não será a "salvação da lavoura" e que ele quis apenas jogar um pouco de "água na fervura".

O que o BC considera não segue a linha do controle, mas da liberalização, onde os resultados podem ser mais consistentes e duradouros. Não há, porém, uma medida pronta na gaveta para ser aprovada já.

Simultaneamente a essas avaliações, o Ministério da Fazenda contempla a possibilidade de alterar o decreto que instituiu o IOF. Na verdade, ao impor o IOF sobre o mercado de ações - e esse é o ineditismo da medida em relação às tributações passadas -, a Fazenda não considerou relevantes os danos que a taxação pode causar nesse mercado, que é uma importante fonte de financiamento para as empresas brasileiras. Mesmo para os exportadores, que ganham com a desvalorização inicial do real, seus efeitos são discutíveis, pois as empresas acabarão pagando o custo do tributo quando forem buscar financiamentos, tanto no mercado de capitais quanto no financeiro.

Técnicos da área econômica têm discutido, nos últimos dias, a necessidade de fazer alguns reparos na medida. Não há, por enquanto, uma solução mesmo para uma das mais caras demandas do mercado, de isentar do imposto as emissões de ações iniciais (IPOs) e de capitalização.

Esse é um aspecto nevrálgico do decreto, pois o governo, com a tributação geral, estaria incentivando que as grandes empresas façam suas emissões fora do país e usem das diversas formas disponíveis para ingressar com os recursos sem pagar o IOF; e punindo as companhias de menor porte listadas na bolsa. Estas, em geral, não têm ADR (American Depositary Receipts), teriam dificuldades para arcar com os custos de emissões fora e podem ficar sem os investidores estrangeiros no mercado local.

Há outros aspectos sob avaliação para, pela liberalização do mercado de câmbio, inibir a apreciação do real, como fortalecer o programa de recompra dos títulos brasileiros no exterior, que ficaram com juros superiores aos dos títulos no país; e permitir que os bancos brasileiros possam adquirir ativos diretamente no exterior (comprar um título do Tesouro americano, por exemplo, o que só pode ser feito por uma subsidiária). Esta última, por exemplo, é bem mais delicada.

Bancos de outros países que investiram pesadamente em ativos estrangeiros sofreram mais com a crise global. Embora possa ser uma tendência natural no futuro, por ora o Banco Central brasileiro teme perder o controle sobre as instituições nacionais, sujeitas a regras prudenciais que se mostraram eficientes na crise.

O fato é que as estimativas de ingresso de moeda estrangeira no Brasil, nos próximos cinco a dez anos, são enormes. Fala-se em financiamentos da ordem de US$ 130 bilhões para preparar o país para a Copa do Mundo e para a Olimpíada. E em outros US$ 200 bilhões a US$ 300 bilhões para o pré-sal. Não há no horizonte nada capaz de evitar a tendência de apreciação do real.

Pode-se fechar um vazamento aqui, abrir um escoamento acolá para inibir. Dificilmente, porém, o país prescindirá da contribuição de um bom reforço na política fiscal para lidar com essa realidade.

Claudia Safatle é diretora de Redação adjunta e escreve às sextas-feiras
E-mail claudia.safatle@valor.com.br

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