O direito de crédito dos exportadores

    OPINIÃO JURÍDICA

    VALOR ECONÔMICO

    Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli
    27/10/2009

Retorna para a mídia a discussão que já se pronunciara quando da edição da Lei Complementar nº87, de 1996, e que tem por objeto a manutenção dos créditos de ICMS para as empresas que exportam produtos.

Segundo o deputado, relator à época, Antônio Kandir, as regras que preveem a manutenção destes créditos teriam a finalidade de desonerar os produtos exportados e, com isso, incrementar as respectivas receitas brasileiras originárias do comércio internacional. De outro lado se posicionaram os Estados, preocupados com a possível perda de arrecadação decorrente destes créditos concedidos aos contribuintes exportadores. O meio termo político encontrado para resolver essa celeuma foi atribuir à União Federal a responsabilidade de transferir aos Estados recursos decorrentes de tal desoneração dos produtos exportados.

Ainda que tenha sido este o cenário político e econômico vigente quando da edição da referida lei complementar, isto não quer dizer que deva ele ser invocado como parâmetro para a interpretação das regras jurídicas que validamente foram instituídas por esta lei.

Em outras palavras, aquele ambiente existente nos bastidores da edição da lei não pode servir de embasamento, como tem sido alegado por governadores, para sustentar a negativa do direito de crédito aos exportadores.

A justificativa é uma só: a interpretação jurídica não se veste de fundamentos político-econômicos. O motivo adotado por tais governantes é claramente falacioso e enquadra-se na categoria denominada "falácia da falsa causa". Se a União não transfere os recursos para os Estados, então os Estados negam o direito de crédito aos contribuintes. É o que se alega.

Ora, se a União não efetua tal transferência, então que se adotem as medidas jurídicas para que tal objetivo seja realizado. Isto nada tem a ver com o direito de crédito pelos exportadores. Daí a falácia!

Que, aliás, se confirma na medida em que evidenciados os regimes jurídicos previstos nesta lei complementar para os créditos de ICMS. Com efeito, analisados os seus dispositivos verifica-se que há o regime exclusivo das exportações - artigo 25, parágrafo 1º ; e o regime vinculado a outras hipóteses de créditos nas quais a lei estadual poderá assegurar a sua manutenção pelos contribuintes - artigo 25, parágrafo 2º.

Ao prever que o legislador estadual possui a faculdade de estabelecer a manutenção dos créditos em outras hipóteses que não aquelas relacionadas a exportações, a Lei Complementar impôs limites aos governantes locais. Tanto é assim que, no referido parágrafo 1º do artigo 25, a lei complementar autoriza a transferência de saldos credores não utilizados entre contribuintes sediados do mesmo Estado. Aqui a transferência depende apenas da constatação de que o saldo a transferir refere-se a operações de exportação. No parágrafo 2º , por outro lado, tanto a manutenção do crédito, quanto a própria transferência dependem de autorização da legislação estadual.

Em tais dispositivos, portanto, não há qualquer menção de que os créditos estão vinculados a parcelas que devam ser transferidas da União Federal para os Estados. Logo, negar este direito aos contribuintes exportadores implica inequívoca violação às determinações desta lei complementar, assim como a negativa da transferência de recursos por parte da União Federal.

Há, sem dúvida, direito dos contribuintes e dos Estados. Porém, um não é condicionante do outro, como pretensamente alega-se.

Esta pretensa vinculação, aliás, já foi submetida ao crivo do Superior Tribunal de Justiça e sua orientação foi a de que os créditos de exportação não se sujeitam a restrições administrativas ou mesmo da legislação ordinária estadual, salvo a análise documental de que originam-se mesmo de exportação de produtos ou serviços. A título exemplificativo consulte-se o julgado do RMS nº 21.240/RJ (DJe de 11/02/2009 - Primeira Turma).

A restrição, portanto, diz respeito à prova de que houve exportação e a aquisição de insumos empregados nestes produtos exportados. Dado o fato provado, aplica-se o direito previsto na lei complementar.

Os exportadores, portanto, possuem este direito e os governos estaduais não podem impedir seu exercício sob o infundado pretexto de que a União Federal não lhes transfere verbas previstas na legislação complementar.

Não se pode aceitar a prática de uma invalidade para se resolver outra, como, aliás, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da MC-ADIn nº 2.377/MG (DJU de 07/11/2003). Aplicada tal orientação da suprema corte a este problema dos créditos do ICMS, tem-se a conclusão de que a invalidade da transferência dos créditos por parte da União Federal para os Estados não pode servir de mote para a prática de outra invalidade, qual seja a de impedir que os contribuintes exportadores mantenham e façam o devido uso dos créditos do ICMS relacionados a tais exportações.

Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli é advogado, sócio da Advocacia Lunardelli, mestre e doutor pela PUC-SP, professor do IBET , PUC-COGEAE-SP e FGV-LAW

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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