A "prime rate" brasileira e o financiamento de longo prazo

Valor Econômico - 23/08/2011

Vai finalmente sair da prancheta a taxa brasileira de empréstimos dos bancos a clientes preferenciais, a "prime rate" do país. A "prime" será calculada pelo Banco Central (BC) a partir da média da taxa de juros que os bancos cobram das maiores empresas. A divulgação será mensal.

A apuração de uma "prime rate" pelo Banco Central vai dar às empresas uma poderosa arma para discutir o custo do dinheiro cobrado pelos banqueiros, desde que fique bem clara qual a metologia usada para o cálculo da taxa e a definição do perfil do cliente preferencial de primeira linha. O BC já adiantou que segue a metodologia internacional e promete não decepcionar a curiosidade por detalhes a respeito da nova taxa.

Espera-se que a divulgação da "prime" aumente a concorrência entre os bancos porque vai permitir ao tomador de recursos comparar o custo do dinheiro entre os vários bancos no mercado interno e também no externo. A "prime rate" é a taxa referencial para operações com grandes clientes de baixo risco. Muito provavelmente, porém, as empresas médias também vão se beneficiar da informação para questionar os bancos porque as grandes já possuem poder de barganha.

O cálculo da "prime" brasileira faz parte do plano do governo de aumentar a eficiência do sistema financeiro nacional. Alguns pontos dessa agenda já foram implementados como o acompanhamento do "spread" bancário e das tarifas. Já são divulgadas as taxas de crédito praticadas pelo mercado tanto para pessoas físicas quanto empresas, mas sem a distinção do perfil do tomador que fará a "prime".

Na última década, o crédito saltou, passando de 25% para perto de 50% do Produto Interno Bruto (PIB), mas o juro continua salgado. O custo do crédito depende do comportamento de referenciais como a taxa básica (Selic), da cunha fiscal e das despesas operacionais e de captação. O juro do crédito ainda embute o "spread" bancário, que inclui o ganho do banco e pode ser influenciado pela concorrência e pelo cadastro positivo.

As autoridades monetárias já quiseram, no passado, formular uma "prime rate". Há duas décadas surgiu a taxa de referência (TR) com a ambição de ser uma "prime" ou o equivalente à taxa interbancária de Londres (Libor), que acabaria com a indexação ao passado. Mas isso acabou não prevalecendo. A TR existe até hoje e corrige mensalmente o saldo da poupança e contratos superiores a 90 dias.

A criação de uma "prime rate" brasileira é importante, sem dúvida, como instrumento para incentivar a concorrência. Tão ou mais importante, porém, é acompanhar a implementação do pacote de estímulo ao financiamento de longo prazo. Divulgado em dezembro, já aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidência no fim de junho, o pacote pretende deslanchar o mercado de financiamento privado de longo prazo no país.

Com desonerações estimadas em perto de R$ 1 bilhão, o pacote procura estimular a compra de títulos privados de longo prazo com a redução de impostos, com ênfase especial nos projetos de infraestrutura; amplia e alonga o funding dos bancos com as Letras Financeiras; e incentiva a criação de um mercado secundário para esses papéis. O governo sabe que os projetos futuros de investimento são grandiosos e que os bancos públicos não podem financiar tudo.

O setor privado financeiro reagiu com entusiasmo ao projeto. A BM&FBovespa criou, em janeiro, a Libor brasileira, como referência para a correção de títulos de renda fixa, com a ambição de substituir o uso da taxa overnight do certificado de depósito bancário (CDI), herança da época de inflação elevadíssima, que é baseada no juro praticado pelos bancos para repassarem recursos entre si diariamente, um equivalente à Selic, mas dos papéis privados. A vinculação da remuneração dos títulos privados mesmo mais longos a uma referência de curtíssimo prazo, como o CDI, prejudica o desenvolvimento do mercado de renda fixa. A intenção da BM&FBovespa com a Libor brasileira é exatamente incentivar o mercado secundário para os papéis privados e alongar os prazos. Pouco depois, a Anbima propôs a criação do mercado de renda fixa, com papéis corrigidos inclusive pela Libor brasileira.

O processo é vagaroso. O acirramento da crise internacional afeta o processo, com certeza, uma vez que instabiliza os mercados Bases legais e institucionais são importantes para colocar de pé o financiamento privado de longo prazo, mas não são suficientes. Seria necessário que o juro cedesse também, e o foco dos investidores saísse apenas do curto prazo.

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