Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 04/08/2011
Montadoras põem Brasil no fim da lista de países com custo menor de produção e maiores incentivos
Foi frustrante para o governo a repercussão entre os empresários do anúncio do pacote de incentivos à indústria, mas surpreendente não foi, já que esperada pelos seus autores desde que souberam do ministro Guido Mantega que não há espaço para renúncia fiscal.
Passado o instante inicial de manifestação de desagrado, várias lideranças empresariais se apressaram a elogiar as medidas, mais como reconhecimento do esforço da presidente Dilma Rousseff em ir além do trivial que pela crença de que o pacote foi suficiente.
A desoneração ampla de impostos era esperada pela indústria como uma forma de compensação não bem pelo câmbio valorizado, de resto o reflexo e não causa de distorções da política econômica há mais de década, mas dos custos da produção, que têm sido crescentes e cumulativos. Dos impostos a encargos sociais, do custo do capital ao preço da energia, das matérias primas ao cipoal da burocracia.
Produzir no Brasil, sem recorrer ao fornecimento de fora, tende a se tornar uma decisão madrasta devido aos custos, que, não demora, vão também afetar o mercado de trabalho — hoje apertado pela baixa oferta de mão de obra qualificada. E amanhã, se persistir o quadro de custos de produção crescentes e salários em alta? A resposta a tais constrangimentos — diz a experiência — costuma ser o aumento da automação, nos segmentos de serviços, e de robôs, na indústria.
A reflexão sobre tais questões é nenhuma no debate sobre os rumos da economia, mas elas já implicam decisões consumadas por grandes indústrias, sobretudo as multinacionais, com consequências danosas para o país, como as tomadas pelo setor automobilístico.
Em períodos de cinco anos, mais ou menos, as matrizes revisam as estratégias sobre tecnologia, envolvendo as tendências de design, motores e eletrônica embarcada, apuram a visão sobre os mercados no mundo e distribuem os investimentos entre as suas filiais.
Tal exercício mobilizou no ano passado a maioria das montadoras e o resultado não favoreceu o Brasil. Países como EUA, China, Índia e Alemanha receberam a maior parte dos projetos de investimento. E ao Brasil, em regra, coube a montagem de modelos menores ou em que as partes mais sensíveis serão importadas. O que nos prejudicou? A dificuldade de repassar custos aos preços vis-à-vis a concorrência importada e a expectativa das condições de renda e do crédito.
Uma doença invisível
O que veio no pacote chamado de Brasil Maior foi muito pouco para equalizar esses custos com a opção de importar os insumos e partes — e restabelecer, assim, a lucratividade da produção abalada pela perda de competitividade das cadeias de suprimentos nacionais.
O processo de internacionalização da produção é mais grave que a importação direta, como de carros, tablets ou peças de vestuário, porque invisível. Uma vez instalada a globalização das cadeias de produção, o processo é de difícil reversão. E será, se já não for, um obstáculo a mais para uma eventual depreciação forte do real.
Real forte criou raiz
O dia em que o governo precisar depreciar o câmbio terá de pensar duas vezes, e não só pelo seu efeito sobre a inflação. É que, se o fizer, poderá desarticular a produção da indústria, agora suprida pela importação de insumos e componentes. E, aí, com a receita de exportação já quase que totalmente dominada pelas commodities.
Mas não só: dissemina-se a percepção de que o Brasil será sempre um mercado com custo de produção maior que em mercados emergentes, como México, Argentina e os países asiáticos — e, hoje, devido à crise, até entre as economias avançadas, tipo EUA e Alemanha.
Destino atado à China
Na avaliação de executivos estrangeiros, os compromissos sociais, o custeio da máquina pública e a relação de força dos sindicados com a indústria não será mudada, enquanto encolhe a possibilidade de compensação desses custos pelo câmbio, devido ao viés de longo prazo de valorização do real pelas commodities e o pré-sal. O que implica outra questão, como reflete o economista Marcelo Ribeiro, da Pentagono Asset Management: o "destino selado" com a China.
"Não dá para nos livrarmos disso, para o bem ou para o mal", diz. O encadeamento das decisões do pacote de apoio à industria revela a sensibilidade do governo com tais preocupações. Por isso, o setor automotivo terá um regime tributário diferenciado, alguns bens de exportação terão rebate fiscal de até 3% do valor exportado e uns poucos setores foram desonerados da contribuição ao INSS, mas com a receita perdida compensada com outro imposto. Esse é o problema: o setor público está engessado e tem muito pouco a oferecer.
O vício dos subsídios
A polêmica sobre a suposta desindustrialização fica mais clara se vista pelo ângulo da internacionalização das cadeias de produção e não pelo fechamento de indústrias, como alegam os críticos do real forte e dos juros elevados. O Brasil, nesse cenário, continua com um setor industrial diversificado. É o que informam os anúncios de novas montadoras chegando ao país. Mas há questões pouco sabidas.
Os novos investimentos priorizam atender o mercado interno, não a exportação. O grau de nacionalização da cadeia produtiva é baixo. A nova política industrial quer conter esse viés, impondo o acesso aos incentivos segundo o índice de nacionalização. O risco é criar o vício da produção subsidiada. Já vimos esse filme. É ruim pacas.
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