Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 14/05/2011
Preços das commodities aceleram queda lá fora e podem ameaçar os rumos da inflação no Brasil
A mudança repentina dos preços das commodities nas grandes bolsas mundiais antecipa o fim do programa de afrouxamento monetário pelo Federal Reserve e o retorno da inflação — prenúncio de aumento dos juros básicos nos EUA, já em curso na Europa, mas timidamente, por causa da fragilidade de várias economias da zona do Euro.
O conflito entre inflação e crescimento econômico se faz presente agora em todas as economias relevantes, da China aos EUA — e, um a um, os governos vão optando pela estabilidade dos preços com maior ou menor intensidade. A política anti-inflacionária na China está intensa, já havendo receios quanto a uma redução maior do ritmo do crescimento econômico chinês, previsto entre 8,5% e 9% este ano.
Se a desaceleração for maior, o mercado de commodities tenderá a se estreitar mais do que o movimento preventivo dos especuladores está a indicar, já que a China é grande importador mundial tanto de alimentos como de insumos básicos, de minério de ferro ao cobre — e é o segundo maior consumidor de petróleo depois dos EUA.
As grandes oscilações dos preços das commodities desde a semana passada, quando o processo teve início — indo de quedas de 30% da prata a 3,5% da soja —, atestam que a especulação alimentada pela liquidez bombeada pelos bancos centrais para ativar o crédito ao consumo, sobretudo nos EUA, é, em parte, responsável pelo choque inflacionário global dos alimentos e dos insumos.
Foi só surgir no horizonte o sinal de aumento de juros para que esse capital se retraísse, já que não decorrente de dinheiro real, mas do giro da liquidez bancária multiplicada por empréstimos de curto prazo. O colapso da ciranda com papéis de dívida depois da quebra do banco Lehman Brothers em 2008 se deveu à mesma razão: a “aversão ao risco”, expressão que sintetiza a possibilidade de o devedor não conseguir devolver o numerário recebido do credor.
É um risco que aumenta com os preços dos ativos em baixa, levando os mais cautelosos a antecipar a saída antes que ocorra a fuga em massa, conhecida pela crônica financeira como “efeito manada”.
Os ajustes de preços das commodities nos últimos dias refletem esses movimentos defensivos, sem implicar a quebra da tendência de longo prazo, que é de alta. Só um piripaque da China poderá abalá-la — e isso não está à vista, embora não seja impossível.
Todos de olho na China
A China exagerou a expansão do crédito na saída da crise de 2008 e assiste ao inchaço do setor imobiliário. O governo vem tentando esvaziar essa bolha com algum sucesso, segundo análise recente do Deutsche Bank. Mas há sérias dúvidas sobre a qualidade do crédito à indústria no circuito entre os bancos e as empresas estatais.
Numa economia planificada, o cumprimento de metas é mais cobrado pela alta burocracia que o resultado dos projetos, produzindo não raramente elefantes brancos e inadimplências à larga. A China já passou por uma crise semelhante em 1998, que quase levou o Partido Comunista a abandonar a política de liberalização econômica.
Sequelas para o Brasil
Em suma, há muitos riscos na economia global. E informação demais não é bem digerida em mercados alavancados, como o de commodities. Nem é a China o que mais preocupa, mas a profundidade dos impasses na Zona do Euro, assombrada pela crescente convicção de que países como a Grécia só têm solução com a reestruturação de suas dívidas.
Tais questões se lançam sobre a economia brasileira pelo seu lado real, das exportações de commodities, e os efeitos sobre o câmbio e a inflação. Uma primeira mirada sugere que a redução dos preços internacionais dos alimentos, por exemplo, é bom para a inflação.
O Banco Central conta com isso para trazer a inflação à meta até 2012. Pode não ser assim. “No nosso caso, os movimentos de preços das commodities e da taxa de câmbio tendem a se fazer em direções opostas”, alerta uma nota da consultoria MCM. “Períodos de queda dos preços coincidem com desvalorização do real e vice-versa.”
Mais engano que acerto
É prudente, por tudo isso, receber com reservas os cenários do BC e da Fazenda, já que, desde 2010, mais se enganam que acertam. Hoje, por exemplo, o refluxo das commodities, somado ao aumento do IOF pela Fazenda sobre o ingresso de capitais, como diz a MCM, “pode induzir depreciação mais expressiva do real”. E isso tenderia a anular o efeito deflacionário das commodities — todo ele ou parte, pelo menos. Nesse ambiente, será mais difícil escorar a liberdade cambial com câmbio estável, juros em alta e inflação em queda.
Hot money nas reservas
A volatilidade agravada do mercado de commodities recupera para o debate um tema esquecido desde 2008: a artificialidade da demanda e da valorização de ativos fomentada por crédito desconectado dos fundamentos da economia real. Tal liquidez, base dos papéis podres transformados em dívida pública por meios dos programas de resgate dos bancos centrais, nunca saiu do sistema. Boa parte do hot money aplicado em renda fixa, ações e imóveis no Brasil vem daí.
Tais dólares estão nas reservas do BC, cerca de 40% da acumulação de janeiro de 2003 a fevereiro de 2011, segundo o economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília. Isso não é reserva, mas funding alugado por especuladores. Com outra rebordosa do mercado global, baterá vôo, precipitando depreciação cambial e inflação.
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