UE cobra firmeza do Brasil em reação a barreira argentina

Autor(es): Por Daniel Rittner e Fernando Exman | De Brasília
Valor Econômico - 24/01/2013

Um dos principais negociadores comerciais da União Europeia criticou ontem a passividade do Brasil com o protecionismo da Argentina e desafiou o Mercosul a entregar logo uma proposta que permita avanços nas negociações de um acordo de livre comércio entre os dois blocos, sob risco de perder mercado para outros parceiros.

Em tom de cobrança, as advertências foram dadas pelo diretor-geral-adjunto de Comércio da Comissão Europeia, João Aguiar Machado. "Estamos muito preocupados com a situação da Argentina", comentou o funcionário europeu, durante o 6º Encontro Empresarial UE-Brasil, na sede da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ele fez menções à desapropriação de empresas, como a petrolífera espanhola YPF Repsol, e à adoção sistemática de licenças não automáticas de importação pela Argentina.
Machado deixou claro que, na avaliação europeia, o governo e os empresários brasileiros têm sido passivos demais diante das barreiras argentinas. "Como líderes regionais e globais, tanto a UE quanto o Brasil têm responsabilidade sobre essa questão. Mas enquanto o Brasil tem sido fortemente afetado pelo protecionismo da Argentina, não tem assumido uma posição pública contra essa questão", afirmou o funcionário, diante de representantes da indústria. "Entendemos que é preciso tratar com cuidado as relações com a vizinhança, mas a UE tem a expectativa de que a comunidade empresarial brasileira faça ouvir mais fortemente a sua voz", acrescentou.
Ontem, a Argentina aumentou, um ano e um mês depois de autorizada pela penúltima reunião de cúpula do Mercosul, a alíquota para importações de cem produtos, caso as compras sejam feitas fora do bloco econômico. De acordo com o jornal "Clarín", a Argentina começará a cobrar 35% pelas importações de produtos de bens de consumo final, como motocicletas de até 800 cilindradas, brinquedos, cerâmicas, calçados, bijuterias, cafeteiras, isqueiros e cosméticos.
O diretor-geral-adjunto de Comércio da Comissão Europeia, de forma menos enfática, também disparou críticas a benefícios dados pelo governo brasileiro para o setor industrial, como a exigência de conteúdo local em licitações. "Não acreditamos que políticas de substituição de importações são uma receita para aumentar a competitividade da indústria doméstica", provocou.
Machado fez uma exposição do estado das negociações em curso pela UE e enumerou acordos de livre comércio concluídos recentemente: com Coreia do Sul, Cingapura, Canadá, Colômbia, Peru e América Central. O bloco se prepara ainda, nos próximos meses, para lançar negociações com Japão, Vietnã e Tailândia. E deve obter, antes do verão no Hemisfério Norte (julho), mandato do Parlamento Europeu para discutir um tratado com os Estados Unidos.
"Esse panorama mostra que, para a UE, a saída da crise passa pela abertura comercial", afirmou Machado, complementando que o comércio internacional e o investimento têm papéis cruciais na estratégia europeia de enfrentamento dos efeitos da crise financeira global. Diante disso, foi categórico em lembrar que o Mercosul está ficando para trás e cobrou a apresentação de uma oferta de acesso a mercados pelo bloco, que daria início ao processo de barganha para a redução das tarifas de importação. De acordo com Machado, não há mais o que negociar a respeito das regras gerais do acordo. "As discussões dos aspectos normativos já se esgotou e agora temos que passar à troca de ofertas. Se não, não vamos avançar mais."
O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, disse que o governo vai defender "que um acordo comercial seja feito com a maior brevidade". O assunto será tratado hoje pela presidente Dilma Rousseff, durante a reunião de cúpula UE-Brasil, em Brasília. Logo em seguida, haverá consultas aos demais parceiros do Mercosul, em um encontro de cúpula da UE com o bloco, em Santiago.
A dificuldade em avançar nas negociações com a UE faz com que empresários brasileiros percam a paciência com o Mercosul e defendam a obtenção de um acordo sem a presença dos demais países do bloco. "Se eles não vierem a aderir já, que possamos avançar nós, para que seja um acordo progressivo entre o Mercosul e a UE", disse o presidente da União Brasileira de Avicultura, Francisco Turra, que representa produtores de carne de frango.
Turra chamou esse modelo de "early hearvest" (colheita antecipada). Trata-se de um acordo progressivo, no qual os benefícios de redução de tarifas vão sendo implementados gradualmente, à medida que houver acordos setoriais ou entre países. Para ele, não há perspectivas de conclusão da Rodada Doha e existe uma corrida por acordos bilaterais de comércio - da qual o Brasil não tem participado. Turra mencionou o Chile como um caso de sucesso na abertura de mercados. O país andino tem um acordo de livre comércio com a UE desde 2002. (Colaborou César Felício, de Buenos Aires)