UE quer mais comércio para superar a crise

Autor(es): SÍLVIO RIBAS e VICENTE NUNES
Correio Braziliense - 23/01/2013


Presidente da Comissão Europeia teme protecionismo e diz que economias do Brasil e da Europa são interdependentes
As negociações entre União Europeia (UE) e Brasil em torno de um acordo comercial se tornaram um fórum para debater a crise econômica global que afeta, sobretudo, a Europa. Contra os riscos de mais protecionismo no país, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, tenta convencer a presidente Dilma Rousseff das vantagens de acessar o maior mercado importador do mundo. No encontro de cúpula, amanhã em Brasília, o sexto desde o lançamento da parceria estratégica, em julho de 2007, ele defenderá que a atual conjuntura adversa não impede, e até favorece, uma aproximação entre a Europa e o Brasil. As discussões sobre o acordo serão retomadas no fim de semana, nas primeiras cúpulas da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da Celac com a UE, em Santiago do Chile.
"A crise mostrou que nossas economias são interdependentes", disse Barroso, nesta entrevista ao Correio, em que revela ainda a intenção de assinar com o Brasil um acordo no setor de aviação civil. Ele sublinhou que o pior da turbulência global já passou. Para ele, as ações adotadas nos últimos anos começaram a dar resultados. "A Grécia está dando sinais de inverter a tendência negativa, e as taxas de juros de longo prazo em Portugal caíram de 20% para 6%. São sinais animadores", destacou. Apesar disso, ele reconheceu que ainda serão necessários novos sacrifícios para garantir a retomada do crescimento de forma sustentável. Durão Barroso defende mais integração política dos membros da UE para evitar futuras crises. Neste sentido, o primeiro passo é a união bancária, já em curso.
Como estão as relações entre o Brasil e a União Europeia?
A União Europeia (UE) e o Brasil têm uma relação cada vez mais próxima e intensa, que está alicerçada na parceria estratégica que lançamos em 2007. A UE é a principal parceira comercial do Brasil: 21% das exportações do país têm como destino o bloco, e 22% das suas importações têm origem na Europa. Além disso, 40% do investimento estrangeiro no Brasil vêm da UE, bem acima do que o bloco investe na China e na Índia. Durante a reunião de cúpula, assinaremos acordos na área de inovação e tecnologia. Gostaria ainda de discutir com a presidente Dilma Rousseff um entendimento no setor da aviação civil, que poderá revolucionar o mercado aéreo global.
A crise que tomou conta da Europa dificulta uma aproximação maior entre a região e o Brasil?
Não diria que a crise "tomou conta" da Europa, e a UE não foi a causa. A crise refletiu-se sobretudo em alguns países do bloco que se encontravam em situação mais vulnerável devido a uma excessiva dívida pública e privada e à perda de competitividade nos mercados internacionais. No entanto, a UE mantém-se, no conjunto, uma economia sólida, a maior do mundo. Além disso, o euro continua forte, a segunda moeda de referência mundial. Estamos atuando de forma decisiva para superar os efeitos da crise, seja no equilíbrio das contas dos estados membros mais vulneráveis, seja na retomada do crescimento, seja no reforço da governança na Zona do Euro. A atual conjuntura até favorece a aproximação entre Europa e Brasil, pois a crise mostrou que as economias são interdependentes. No ano passado, o Brasil também registou baixo crescimento em razão da turbulência global.
Em que estágio está a negociação em torno de um acordo UE-Mercosul?
Estamos numa fase em que temos de partir para a troca de propostas de acesso ao mercado para continuar avançando. Dois anos após o relançamento das negociações, é hora de ir à reta final. É verdade que a UE vê com preocupação uma tendência geral para a adoção de medidas protecionistas por alguns países da região, o que pode dificultar as negociações. Não acreditamos que o protecionismo seja a chave para as nossas economias, que são necessariamente globais e devem saber crescer em mercados abertos de forma sustentada e saudável. A crise atual só será superada com crescimento e mais emprego. O comércio é uma forma de gerar desenvolvimento sem sobrecarregar a dívida pública, e a UE tem uma agenda ambiciosa. Uma vez concluído, teríamos o maior acordo comercial do mundo, abrangendo 750 milhões de pessoas. Para o Brasil, o acordo significaria acesso ao maior mercado global em termos de valor e um grande estímulo à modernização da economia brasileira.
A crise do bloco, que contamina o mundo, poderá favorecer a busca pela sua real união política?
A instabilidade dos mercados financeiros e a crise que se lhe seguiu revelaram precisamente que os estados não conseguem, sozinhos, orientar o curso dos acontecimentos. Isso ocorreu porque os mercados, em particular o financeiro, estavam mais integrados que as autoridades públicas. Esse é o maior estímulo que pode haver para completar nosso processo de integração e para resolver o hiato entre a natureza transnacional dos problemas e o caráter nacional das respostas. Nos últimos dois anos, adotamos medidas em favor da prevenção e da correção dos problemas. Criamos um mecanismo de estabilidade financeira para auxiliar países em dificuldade, cujo capital (US$ 1 trilhão) só é comparável ao do Fundo Monetário Internacional (FMI). Demos mais poderes à Comissão Europeia para monitorar orçamentos nacionais e  desequilíbrios no gasto público.
Na sua avaliação, o pior da crise europeia já passou?
A adoção da moeda comum sem uma coordenação de políticas fiscais foi o maior erro do bloco europeu?
Já passamos a pior fase desta crise e estamos virando uma página, agora que os mercados mostram sinais claros de recuperação. A ameaça existencial que pendia sobre o euro está afastada. Contudo, a situação econômica continuará a exigir grandes esforços. Vamos crescer já no próximo ano, mas a nossa taxa de desemprego seguirá alta. Temos tentado minorar a situação social com medidas muito pragmáticas de fomento do emprego jovem. Estamos ainda trabalhando para reforçar nossa união monetária com uma verdadeira união econômica. Essa foi uma real fragilidade que estamos corrigindo.
Alemanha e Reino Unido são  entraves ao avanço de sua proposta de uma união bancária na UE?
A união bancária já foi lançada. Em dezembro, só três meses depois da proposta da Comissão Europeia, os 27 estados membros chegaram a um acordo unânime para a criação de um mecanismo de supervisão bancária. Isso mostrou um empenho claro de todos em progredir nesta matéria. O próximo passo será uma proposta para reforçar o mecanismo único de resolução em caso de problemas no setor, que nos permitirá quebrar o círculo vicioso entre a dívida pública e a dívida dos bancos. Todos os estados membros têm se mostrado empenhados em avançar nessa agenda.
Portugal, Espanha, Itália e Irlanda deixaram de ser as "próximas vítimas" da especulação de mercado?
Os mercados têm recuperado a confiança nestes países graças às corajosas medidas tomadas por eles em favor do equilíbrio das contas públicas e de reformas estruturais. Embora a situação de cada um seja distinta, todos estão tomando medidas necessárias para retomar o crescimento em novas bases, mais sustentáveis. O Banco Central Europeu (BCE) também anunciou a disposição de acionar, se necessário, um programa de compra de dívida soberana com uma linha de assistência financeira, o que também contribuiu para acalmar os mercados. Os juros das dívidas soberanas baixaram sensivelmente. A Grécia está dando sinais de inverter a tendência negativa e, em Portugal, as taxas de juros a longo prazo caíram de 20% para 6%.
A Zona do Euro conseguirá superar a divisão entre países desenvolvidos e fracos de moeda forte?
Apesar de diferentes níveis de desenvolvimento econômico, há na Zona do Euro uma união econômica que está se consolidando e uma moeda comum forte. O principal trunfo do bloco para fazer face à atual situação é precisamente o seu mercado único, o fato de todos pertencerem a um mesmo espaço, em que pessoas, capitais, serviços e mercadorias circulam livremente. O que muitos analistas ignoram é justamente o nível de interdependência das nossas economias. O Reino Unido exporta mais para a Irlanda do que para Brasil, Rússia, Índia e China juntos. A Alemanha exporta mais para a República Tcheca do que para a Rússia. A força da nossa união se mede pela resistência do elo mais fraco e não só pela dimensão do elo mais forte.
Como o senhor vê o papel dos emergentes na reestruturação financeira da UE, sobretudo a China?
A UE tem parcerias estratégicas com todas as grandes economias emergentes. Não temos uma visão do mundo ou das relações internacionais como um jogo de soma zero, em que uns ganham e outros perdem. Nenhuma região pode ter a pretensão de crescer à custa das outras, pois, cedo ou tarde, esse arranjo desabará. Somos o principal parceiro comercial da China, e o nosso mercado de meio bilhão de consumidores tem papel importante para as exportações chinesas.