Empréstimos de múltis para filiais no país na mira

Autor(es): agência o globo:Martha Beck
O Globo - 13/06/2011

Transferências entre companhias crescem 413% e governo suspeita de artifício para fugir de IOF maior sobre aplicação estrangeira

BRASÍLIA. As multinacionais instaladas no Brasil podem estar utilizando recursos enviados por suas matrizes para ganhar dinheiro no apetitoso mercado financeiro nacional, burlando o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) maior para aplicadores estrangeiros, e criando uma impressão falsa sobre o ritmo do chamado Investimento Estrangeiro Direto (IED). Dados do Banco Central mostram que, entre janeiro e abril, os empréstimos intercompanhias de matrizes no exterior para suas filiais do Brasil somaram US$4,7 bilhões, volume 413% maior que o registrado no mesmo período no ano passado, US$916 milhões.

Em 2010, o total registrado nessa conta foi de US$8,4 bilhões. A economia, por sua vez, cresceu 7,5% no ano passado, ao passo que as projeções para 2011 são de expansão menor: entre pouco menos de 4% e 4,5%.

A suspeita de integrantes da equipe econômica e de analistas é que parte do dinheiro que ingressa no país pela rubrica IED, que costuma ser atribuída a recursos que vêm de fora para dar fôlego ao setor produtivo, esteja sendo destinada ao giro financeiro, aproveitando o cenário de juros altos.

- Esse tipo de empréstimo pode estar servindo apenas para que a filial no Brasil coloque esses recursos em tesouraria e depois aplique no mercado local - disse um técnico do governo.

Até mesmo o Fundo Monetário Internacional (FMI) já alertou para o comportamento do IED no Brasil, que classificou como suspeito. No ano passado, o total que entrou no país na rubrica somou US$48,4 bilhões, podendo chegar a US$65 bilhões em 2011, segundo estimativas do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Diante desse quadro, o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard já afirmou:

- O IED está crescendo e, por coincidência, é excluído do IOF. Espero que seja IED de verdade, mas talvez não seja.

A alta dos empréstimos intercompanhias está espalhada por diversos setores, indo da indústria à agricultura. No setor de máquinas e equipamentos, por exemplo, o total dos recursos repassados por matrizes de fora a filiais brasileiras saltou de US$40 milhões no primeiro quadrimestre de 2010 para US$216 milhões no mesmo período em 2011. Já no setor de petróleo e gás a alta foi de US$527 milhões para US$1,4 bilhão.

Poucos instrumentos para controlar uso de recursos

A decisão do governo de aplicar medidas pontuais de controle de capital para conter a enxurrada de dólares começou no segundo semestre de 2010 e se intensificou em 2011. Uma delas foi o aumento do IOF de 2% para 4% para aplicações estrangeiras em renda fixa. O percentual depois subiu para 6%. Como os estrangeiros foram migrando para outros investimentos (como derivativos), as brechas foram sendo fechadas também. O governo elevou, por exemplo, de 0,38% para 6%, o IOF que incide sobre depósitos de garantia para aplicações estrangeiras no país.

Segundo executivos de multinacionais ouvidos pelo GLOBO, é comum que as matrizes dessas empresas transfiram recursos para as filiais tanto para capital de giro quanto para aplicação no mercado. Isso é ainda mais corriqueiro naqueles setores em que pagamentos não são imediatos. Por exemplo, quando uma montadora vende um carro, ela recebe os recursos rapidamente do banco. Já nos setores como indústria de máquinas e equipamentos, as operações são mais longas e as companhias acabam recorrendo à matriz.

- Quando enviam esses valores para as filiais, o dinheiro não tem carimbo. Ele pode entrar para aplicar no mercado, para capital de giro ou construir uma planta nova - explica o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Estudo das Empresas Transnacionais (Sobeet), Reynaldo Passanezi.

O diretor-executivo da NGO Corretora de Câmbio, Sidnei Nehme, alerta para o fato de que o aumento dos empréstimos intercompanhias pode acabar dando a impressão de que o quadro do investimento produtivo no Brasil é melhor do que de fato ocorre. Isso porque se uma filial toma um empréstimo de sua matriz no exterior apenas para ter capital de giro ou aplicar no mercado, esses não são recursos que entraram no país permanentemente.

- O BC trata essas operações como IED, mas parte substantiva não é dinheiro que veio para ficar e promover o aumento da infraestrutura - afirma Nehme.

Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, o governo tem poucos instrumentos para controlar de que maneira as multinacionais usam recursos de empréstimos intercompanhias.

- Esse é o problema do controle de capitais. Os aplicadores sempre encontram brechas para burlar as medidas. E no caso do IED, o governo não pode ser muito duro, pois esses recursos são importantes para garantir o aumento da infraestrutura e do crescimento do país - afirma Agostini.

Oficialmente, o BC afirma que não há problemas na qualidade do IED. O gerente-executivo de Normatização de Câmbio e de Capitais Estrangeiros do Banco Central, Geraldo Magela Siqueira, já afirmou que a autoridade monetária tem monitorado o mercado e constatado que todos os investimentos diretos estão ligados à economia real.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui o seu comentário, muito obrigado pela sua visita!