Grito do Ipiranga

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 21/06/2011

Estados rifam reforma do ICMS sem garantia constitucional e querem divisão nacional de royalties

A meia trava aplicada pelos governadores das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste na reforma tributária fatiada, com foco no ICMS, conforme proposta da presidente Dilma Rousseff, indica a exaustão do modelo federativo centrado na concentração da receita fiscal na União.

Eles vieram em cortejo a Brasília, na semana passada, e não deram esperanças à presidente quanto ao apoio à tramitação da reforma no Congresso. Dilma os recebeu sem agenda, o que foi apreciado, mas não estava pronta para discutir nos termos reivindicados por eles. Como antecipamos na coluna do dia 15, os governadores não querem falar só de ICMS, mas da harmonia de poderes dentro da Federação.

O governo supõe que tem espaço político para conduzir uma reforma técnica e limitada do sistema tributário, permitindo fazer do ICMS uma verdadeira tributação sobre o valor adicionado, não uma colcha de retalhos, que onera o sistema produtivo e os contribuintes mais do que contribui para a equidade tributária e a produção.

As tarifas de energia elétrica e telefonia, por exemplo, sofrem a incidência de mais de 40%/50% de tributos, sendo boa parte devida ao ICMS. O custo da internet em banda larga para o consumidor está engessado pelo ICMS, assim como os bens de consumo popular.

Não há quem defenda esse sistema, o mais caro do mundo, segundo pesquisa anual do Banco Mundial, em termos de horas desperdiçadas pelas empresas para processar o cipoal tributário. Só que o ICMS não é a única mazela, mas o sistema inteiro. E é isso que começa a ser construído pelos governadores: a reforma tributária, tudo bem, mas geral, e não só da estrutura fiscal dos estados e municípios.

Eles querem também incluir na negociação a questão dos royalties do petróleo. O Congresso aprovou a partilha desses recursos pelo critério do fundo de participação dos estados, o que a torna mais equitativa na Federação. O então presidente Lula vetou a fórmula, já que ela prejudica os estados e municípios hoje contemplados com a distribuição praticamente exclusiva dos royalties, em especial Rio de Janeiro, Espírito Santo e mais uma dúzia de municípios.

Mastigada e cuspida
As bancadas dos demais estados ameaçam derrubar o veto de Lula no Congresso, se Dilma insistir em defendê-lo, como sugeriu que fará na reunião com os governadores. É briga para cachorro grande. Essa pendenga e da reforma fatiada viraram temas multipartidários, como se constatou com a escolha do governador de Sergipe, Marcelo Déda, para expressar o descontentamento em entrevistas no fim de semana.

Com imagens comestíveis, ele mastigou e cuspiu a ideia de Dilma. "Qualquer coisa fatiada, fora salame, dá indigestão", disse Déda, para quem os estados não querem um "pirulito" em troca da reforma.

Déda fala por todos
As credenciais de Déda não são poucas. Governa um estado pequeno, o que reduz as áreas de atrito com outros governadores, é petista histórico, bem-visto em todas as correntes do PT e na oposição, e seu trânsito não depende do humor de Lula. Importa considerar que os governadores não parecem atrás de barganhas, mas do resgate da autonomia federativa prevista pela Constituição de 1988.

Esse movimento não está bem avaliado pela política. A queixa dos governadores, e também dos prefeitos, reflete os desdobramentos da Constituição. Ela deu a estados e municípios deveres adicionais, desacompanhados de estrutura tributária correspondente, e permitiu à União criar tributos sob a forma de contribuições, tipo Cofins, dispensando-a de partilhar essa arrecadação com os demais entes.

Despachantes irados
A fórmula cogitada pelo Ministério da Fazenda é igual, em linhas gerais, à que Lula tentou aprovar no Congresso: federalização das 27 legislações do ICMS, uma por estado, visando unificar a miríade de alíquotas do tributo em quatro a cinco, mudar a cobrança nas transações interestaduais da origem para o destino e compensar com um fundo federal as unidades prejudicadas pela reforma.

Os governadores temem sair dela com menos caixa do que já têm. As demandas sobre eles, além disso, só crescem no Congresso. A Emenda Constitucional nº 29, que aumenta o repasse de recursos para saúde, é uma delas. Outra é o projeto que cria piso nacional para policiais e bombeiros independentemente das diferenças regionais.

Os gastos aumentam, enquanto o Supremo Tribunal Federal atende o governo federal e proíbe os estados de conceder incentivos para a atração de empresas. Aos poucos, a divisão do país está passando de Federação para um Estado unitário, com governadores e prefeitos no papel de despachantes irados. Essa é a discussão de fundo.

O governo quer tudo
A estabilidade fiscal tem se amparado, até agora, na expansão da carga tributária pelo governo e no atendimento em conta-gotas das demandas regionais, normalmente com os parlamentares aliciados por meio do funil na liberação de suas emendas de gastos ao Orçamento.

"A necessidade de permanente aumento da receita", segundo Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado, impede um acordo político para a reforma tributária, já que, diz, não há como racionalizar o sistema sem reduzir a arrecadação. É o que leva os governadores a desconfiar do governo e condicionar a mudança do ICMS a garantias constitucionais. Só há três saídas: ou o governo desiste da ideia, ou dobra os governadores ou eles se aliam contra o contribuinte.

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