Disputa desigual

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 17/07/2011

Importações avançam sobre o mercado interno, favorecidas pelas contradições da política econômica

Como sair do impasse do crescimento vitaminado por importações e na mão contrária à da indicada pela meta de inflação é o problema maior à frente da presidente Dilma Rousseff, mas, de fato, de sua equipe econômica, que está sem resposta para o desafio de assobiar e chupar cana, conforme o velho ditado popular.

Os muitos problemas são combatidos com políticas que armam outros entraves, como a inflação, que se mostra mais resistente do que o Banco Central imaginava, tratada com doses homeopáticas de taxa de juros básica num momento da economia global sem juros e horizontes para o capital ocioso internacional. O resultado é a convergência, não da inflação à meta de 4,5% anual, mas do câmbio a níveis cada vez mais valorizados, corroendo vagarosamente a competitividade da indústria que o governo quer aumentar. É uma sinuca de bico.

Se o câmbio se apreciar ao patamar que restaure a competitividade dos manufaturados no mercado internacional, o que, por princípio, é a condição para também não ceder espaço no mercado interno para os bens importados, a inflação é que será desarranjada. E justo no meio da temporada de revisões salariais de categorias importantes, como dos bancários, petroleiros e químicos, que já partem da perda para trás, com a inflação medida pelo INPC no pico de 7,5% de alta em doze meses, e disputam um ganho real para frente.

Se os sindicatos pleitearem a reposição do poder aquisitivo desde a última negociação anual mais um ganho real, mesmo que o reajuste acima da inflação seja menor que o do ano passado, os salários vão ter aumentos nominais de 8% a 10%, segundo simulação do economista Fernando Montero. E isso, ele acrescenta, avançará sobre o câmbio, a meta de inflação e a taxa de produtividade da economia.

Na hora de negociar salários pela inflação passada, diz Montero, a indústria e os sindicatos fariam bem em olhar o quadro externo, onde há excedentes de tudo e mercados de menos, e, depois, traçar uma planilha de custos para o próximo ano e meio. Com o câmbio a R$ 1,68 no fim de 2012, conforme os cenários do boletim Focus, do Banco Central, e mais duas revisões salariais até lá, o resultado será outra rodada de aumento de salários em dólar. O que farão as indústrias? E o BC, na encruzilhada da inflação com o real forte?


Câmbio não atende tudo
"É bom dizer que a competitividade não passa apenas pelo câmbio nominal", alerta Montero. "Basta ver o que aconteceu nos últimos três anos, em que a folha real cresceu 12,7%, e os salários, 10,6% — ambos acima da produção e da taxa de produtividade." Conforme a variação desses números, os incentivos previstos na nova política industrial, que a presidente quer anunciar no início de agosto, já chegarão defasados. Assim como os salários reajustados agora.

Eles nascem com ganhos reais e a cada mês vão sendo corroídos, já que a indexação só oferece reposição ilusória, se frustrada a ação do BC para enfraquecer a inflação da data do aumento para frente.

E juro obeso também não
O difícil é barrá-la, recuperando ao mesmo tempo o poder de venda da indústria brasileira no mercado externo, se o setor de serviços infla a inflação, mas, nesse caso, é mais renda que custo para boa parte dos consumidores. Na verdade, a maioria da população, a base da pirâmide de renda. Contra essa inflação, juro obeso é ineficaz – e talvez até outra rodada de desestímulo do crédito ao consumo.

Tais contradições desembocam no definhamento das exportações da indústria, que está produzindo sem folga, e com importação batendo recordes. Os sinais da demanda antecipam a sua desaceleração nos próximos meses, mas sem provocar desemprego, e provavelmente logo revertida no início de 2012, quando o salário mínimo terá reajuste da ordem de 14% e a economia fiscal será relaxada ou o governo não entrega as obras para a Copa do Mundo, entre outros projetos.

Carros perdem mercado
O mercado automobilístico é emblemático das contradições em curso no país. As vendas do setor no primeiro semestre foram 359 mil, ou 24,5%, acima das registradas três anos atrás – portanto, antes da crise. Mas dois terços da expansão, segundo o economista Fernando Montero, foram atendidos com o aumento das importações líquidas.

O cerco sobre o mercado nacional está se fechando. A produção no semestre cresceu 4,1% sobre igual período de 2010, mas o mercado avançou 10%. O carro importado atropelou o nacional. Como, segundo ele, a indústria continua operando com baixa ociosidade, a oferta insuficiente é suprida com importação. Mas com o risco de ganhar raízes. É a sequela do custo de produção elevado com câmbio baixo.

O Orçamento não fecha
Se mais juros aleijam o câmbio, e com a inflação onde está é ilusão pedir parcimônia dos aumentos salariais, o governo fica sem ação. A execução do orçamento fiscal é uma das poucas opções. O governo vem segurando-o no cabresto este ano. Em 2012 deve querer soltá-lo às feras, à luz da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pelo Congresso. Atente para esta relação pescada por Montero.

A LDO prevê superavit primário de 3,10% do PIB e deficit nominal (conceito que inclui juros) de 0,87%. Tais dados embutem projeção de gasto com juros de 3,97% do PIB, contra 5,4% este ano, e Selic média de 10,76%, hoje de 12,25% e subindo, e taxa de cambio no fim de 2012 de R$ 1,79. As contas não fecham. Ou a austeridade já era.

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