Importação e competitividade

Autor(es): Ivan Ramalho
Valor Econômico - 29/07/2011

É raro encontrar projeto industrial feito apenas com equipamentos 100% nacionais.

No primeiro semestre do ano, as exportações brasileiras superaram US$ 100 bilhões, estabelecendo um novo recorde histórico. O crescimento foi superior ao registrado pelas importações. Mesmo assim, existe hoje uma preocupação muito mais evidente com o desempenho das importações. De um lado, se dá muita ênfase ao crescimento das importações, especialmente as de origem asiática, com críticas a incentivos estaduais e também pela não aplicação das salvaguardas transitórias contra a China durante o governo Lula. De outro, se destaca a importância das importações para o controle das pressões inflacionárias.Nas análises a respeito do comportamento das importações brasileiras é sempre fundamental considerar o forte vínculo existente entre importação e produção industrial. De início, é importante lembrar a distribuição das importações brasileiras, sendo 82,5% de matérias-primas, insumos, componentes, bens de capital, petróleo e derivados, todos produtos destinados diretamente à produção industrial brasileira.

Os bens de consumo representam apenas 17,5% do total e nessa rubrica estão incluídos os automóveis importados da Argentina e do México, ao amparo de acordos de desgravação tributária, que também beneficiam a produção e as exportações da indústria automotiva brasileira.

Portanto, a grande maioria das importações está direta ou indiretamente vinculada ao processo industrial brasileiro. É forçoso reconhecer que uma parcela preponderante da indústria está hoje globalizada e incorporou, talvez definitivamente, uma parcela de insumos importados em seu processo produtivo. Isso ocorre porque essas fábricas buscam maior competitividade, especialmente neste momento de sobrevalorização do real.

A incorporação de insumos importados, em virtude da qualidade ou mesmo de preços mais baixos, contribui para que o produto brasileiro seja mais competitivo e possa enfrentar em melhores condições a concorrência dos similares produzidos em outros países, tanto no mercado interno como no exterior. Esse processo é também muito importante para o crescimento das exportações de manufaturados, quando os exportadores utilizam o regime de drawback.

Cabe a mesma consideração para as importações de bens de capital, igualmente imprescindíveis para a produção industrial. Quem estudar o processo de implantação de muitos dos principais setores industriais brasileiros ocorrido nas últimas décadas verá que quase sempre ocorreu significativa participação de equipamentos importados, naturalmente complementados por equipamentos nacionais. Muito dificilmente se encontrará projeto industrial de grande ou médio porte que tenha sido executado integralmente com equipamentos produzidos no Brasil.

O governo brasileiro, especialmente o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), responsáveis pela elaboração dos processos produtivos básicos, busca hoje atrair para o Brasil novas fábricas de manufaturados de alto conteúdo tecnológico, como ocorre, por exemplo, com os tablets. O pressuposto básico para que isso possa se transformar em realidade é a importação, já que essas fábricas certamente necessitarão de muitos equipamentos importados para viabilizar sua instalação Além disso, a produção inicial exigirá a importação expressiva de insumos.

Esta breve reflexão não é antagônica às preocupações hoje existentes com a proteção da indústria diante da concorrência desleal, tais como o dumping, o subfaturamento e outras irregularidades. Para proteger a indústria nacional, o governo federal conta com departamentos muito bem preparados para identificar esses problemas e combatê-los.

A eliminação de incentivos estaduais, tema recorrente nas reuniões do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), também não eliminaria a preocupação da indústria nacional com o crescimento das importações. Estudo recente da Rosenberg & Associados, encomendado pela Associação Brasileira das Empresas de Comércio Exterior (Abece), indica que esses incentivos representam apenas 0,9% do aumento das importações. Esse estudo, intitulado "Importações e Incentivos Fiscais: Desconstruindo Mitos", mostra de maneira bem clara que as importações aumentam motivadas pela sobrevalorização do real e pelo crescimento da economia, especialmente diante do inegável vínculo das importações com a produção brasileira.

Nos casos de comprovados surtos de importação, que possam desorganizar a produção doméstica, o caminho mais adequado e de comprovada eficiência é a revisão do imposto de importação (TEC), este sim o instrumento que efetivamente protege a nossa indústria. Isso já ocorreu no governo Lula, quando foram ampliadas para 35% as alíquotas do imposto de importação de alguns dos setores industriais brasileiros mais intensivos na utilização de mão de obra. Outras revisões podem ser feitas e merecem ser consideradas.

A tarifa é proteção efetiva e permanente. Oferece segurança para o empresário que deseja investir e ampliar sua competitividade, tornando possível a tomada de decisões sobre investimentos sem preocupação com contestações diplomáticas ou mesmo de natureza legal a que estão sujeitos processos temporários, como a salvaguarda transitória contra a China.

Ivan Ramalho é economista, ex-secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e presidente da Associação Brasileira de Empresas de Comércio Exterior (Abece).

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