Dólar perde "piso" e tem menor valor desde 1999

Eduardo Campos
Valor Econômico - 26/07/2011

Para enxergar o invisível, basta procurar. Foram as declarações da presidente Dilma Rousseff que derrubaram o dólar ou fatores técnicos aliados à conjuntura internacional?

Independentemente da resposta escolhida, o fato é que o real nunca esteve tão forte desde a adoção do regime de câmbio flutuante em 1999. Isso vale tanto em termos nominais como reais.

Ontem, o dólar comercial encerrou com baixa de 0,64%, a R$ 1,543 na venda, menor cotação desde 18 de janeiro de 1999, quando a moeda encerrou a R$ 1,5384.

As discussões políticas estão na matéria ao lado. Por aqui, vamos nos ater ao lado técnico do mercado.

Desde a semana passada, operadores alertavam para a possibilidade de algum movimento forte no dólar, pois a volatilidade tinha caído e existia uma grande defesa de posição na linha de R$ 1,555.
O então "piso" técnico e psicológico foi quebrado pouco depois do começo dos negócios, quando uma firme ordem de venda obrigou o comprado em dólar a rever suas posições.

Em linguagem de mercado, "os comprados foram devidamente stopados". A saída de uma posição comprada necessariamente passa por uma venda, movimento que eleva a pressão vendedora no mercado.

Não por acaso, tanto o dólar à vista quanto o dólar futuro chegaram a cair mais de 1%, quando testaram as mínimas intradia a R$ 1,536 e R$ 1,537, respectivamente.

O Banco Central (BC) não assistiu inerte a toda essa movimentação. A autoridade monetária efetuou três intervenções no câmbio. Duas compras à vista e uma compra a termo, instrumento que não era utilizado desde o dia 8 de abril.

No câmbio externo, o dólar também perdeu força, mas com intensidade reduzida. O Dollar Index, que mede o desempenho da divisa americana ante uma cesta de moedas, perdeu 0,13%, para 74,10 pontos. O dia também não foi bom para o euro, que tentou, mas não retomou a linha de US$ 1,44.

Quem tomou fôlego foi o franco suíço, que junto com o iene e o ouro parecem representar o "porto seguro" no atual momento de incerteza.

Essa queda do dólar, aliada à alta na taxa de retorno dos títulos dos Estados Unidos e à disparada da volatilidade no mercado americano contam uma história interessante.

O mercado começa a colocar no preço, mesmo que de forma tímida, a chance de calote nos Estados Unidos, conforme Democratas e Republicanos não chegam a um acordo sobre a elevação do teto do endividamento. O prazo fatal é 2 de agosto.

O mercado de seguro contra calotes reforça essa percepção.

O CDS (Credit Default Swap) de um ano dos EUA subiu 28,99 pontos na segunda-feira, para 74,69 pontos. Para efeito de comparação, o CDS de um ano do Brasil fechou em 44,37 pontos.

Cabe lembrar, no entanto, que esse CDS de curto prazo é de baixa liquidez. A referência mais utilizada pelo mercado é o CDS de cinco anos. E nesse caso, o risco dos EUA também subiu, mas de forma mais tímida, 3,32 pontos, para 56,26 pontos. Nessa base de comparação, o CDS brasileiro fica em 114 pontos.

Cabe lembrar que até a semana passada, nem o dólar, nem o mercado de títulos e também os CDSs captavam essa possibilidade de default americano. Até então, o dólar subia, a taxa de retorno dos títulos recuava (mostrando demanda por dívida americana) e os CDSs estavam bem comportados.

O discurso corrente do mercado continua sendo de que o circo político vai até os 48 do segundo tempo, mas que a decisão "certa" será tomada.

Com os indicadores acima listados, vemos que a situação começa a mudar de figura. Afinal de contas, nunca é demais se proteger, ainda mais quando o que vai ditar o rumo do mercado é a política.

Em seu comentário semanal, Bob Doll, vice-presidente da BlackRock, gestora com mais de US$ 3 trilhões em carteira, disse que a possibilidade de default é extremamente baixa.

O fator imponderável, segundo Doll, são as agências de rating. "O potencial rebaixamento dos títulos americanos de "AAA" para "AA" emergiu como a maior ameaça aos mercados nas últimas semanas", escreveu.

Para o especialista, existe uma chance real de rebaixamento de nota dos EUA caso não seja feito progresso em termos de redução de déficit.

Para Doll, apesar do jogo arriscado entre Casa Branca e Congresso, algum plano de longo prazo para redução de gastos será formatado.

Por ora, o mercado parece agarrado a uma frase do estadista inglês Winston Churchill: "Você sempre pode confiar nos americanos. No fim, eles farão a coisa certa, depois de eliminarem todas as outras possibilidades".

Eduardo Campos é repórter

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