Impasses cambiais

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 27/07/2011

Com o câmbio na beira de R$ 1,50, é a indústria nacional que está em risco, não só a exportação


A nova onda de valorização do real, já valendo R$ 1,53 por dólar, a maior cotação desde 1999, está deixando o governo numa sinuca de bico. Se a qualquer patamar de câmbio abaixo de R$ 2 a exportação de manufaturados é gravosa para a maioria das indústrias, na beira de R$ 1,50 é a produção no país que passa a deixar de compensar.

Com o mundo rateando para sair da crise, que legou uma ociosidade industrial recorde desde a Grande Depressão dos anos de 1930, além de dívidas públicas e deficits fiscais virtualmente impagáveis, a palavra de ordem em toda parte é exportar — e exportar a qualquer preço, com financiamento subsidiado ao importador e manipulação da taxa cambial, as especialidades da China, a grande fábrica global. E cada vez mais copiadas por governos variados, dos EUA à Europa.

Enquanto o mundo acelera para sair do atoleiro pelas exportações, e praticamente apenas as economias emergentes têm crescimento para absorver os estoques encalhados nas economias da velha ordem, não surpreende que estejamos no radar de todas as multinacionais. Mas não só crescimento assimétrico atrai a cobiça dos países em crise.

Entre os emergentes, o Brasil é praticamente o único com economia aberta, inclusive para os fluxos financeiros, tornando-se a um só tempo presa fácil para a liquidez internacional à deriva num mundo sem juros e a menina ingênua para os exportadores de países em que os interesses privados se amalgamam aos dos governos, como China e Coreia do Sul. É isso o que permite à Hyundai, por exemplo, chegar com os seus carros ao Brasil e vendê-los a preço de nacional.

Nessa corrida, não é a taxa conjuntural do câmbio que cria para a indústria asiática — e a dos EUA vai pelo mesmo caminho — condição de competitividade imbatível. É a existência de uma estratégia de longo prazo para a política industrial que faz a diferença. E como competir nesses mesmos termos? Impossível. Os EUA já tentaram sem sucesso. Os países asiáticos controlam os ingressos de capitais e camuflam a proteção à produção local com artifícios variados, além do câmbio desvalorizado. Ou colado ao dólar, como faz a China.

Emergentes "espertos"
A essa competição dos emergentes "espertos" a tendência é que se adicione a dos países com larga ociosidade, como EUA, Alemanha e Japão, as maiores potências industriais, nessa ordem, num ranking liderado pela China. Ou ainda pelos EUA, dependendo da fonte. É a isso o que expõe a política econômica no Brasil — a uma estratégia deliberada de tomada do mercado nacional, incapaz de ser contida à base das medidas tópicas acionadas pelo governo de Dilma Rousseff.

O Ministério da Fazenda e o Banco Central tomam ações para tentar frear a entrada de capitais financeiros e, assim, a valorização do real. O BC compra todo o fluxo líquido de moedas e as incorpora às reservas. A Fazenda elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente sobre capitais aplicados em títulos de renda fixa.

Concepções atrasadas
Melhor adotar essas providências que não fazer coisa alguma. Sem elas, é provável que o dólar estivesse na casa de R$ 1,20, segundo simulações ligeiras. Mas o problema é maior. Não é o câmbio apenas o que está desalinhado. É o custo da produção nacional. Antes para exportar. Hoje, até para enfrentar a competição com os importados.

Essa discussão deve ser atualizada para que se compreendam melhor as implicações do câmbio apreciado e as eventuais providências. As sequelas de uma economia importadora não são mais as que haviam no passado, quando a falta de superavit da balança comercial levava o país em dois a três anos à insolvência, ao gerar fuga de capitais e afastar os financiadores dos deficits e da dívida externa.

Por que desvalorizar
O dólar se tornava escasso, o seu preço disparava e o ajuste para a volta do equilíbrio se dava na marra, com recessão e desemprego, para criar excedentes exportáveis e cortar importação. Em peso, os emergentes escaparam da armadilha externa. E vários, entre eles o Brasil, foram agraciados pelo que parece veio para ficar: a forte ascensão das commodities demandadas pelo crescimento da China.

Emergiu um cenário novo, com consequências não contempladas pela institucionalidade econômica do país. A economia precisa de moeda fraca não bem para exportar e garantir a solvência externa. É para defender a produção interna em meio ao aumento da renda e do ciclo de investimentos em expansão da capacidade produtiva que serve o real depreciado. Tais eventos por si demandam importações e põem a inflação, combatida com juros que depreciam o dólar, na berlinda. O resultado disso tudo é o definhamento da indústria nacional.

Mudança de cabo a rabo
O grande debate mal compreendido é se importa ao Brasil dispor ou não de uma base manufatureira pujante. Os defensores do status quo minimizam o viés de "commoditização" da economia. Eles até negam a sua existência, alegando que a indústria opera a plena carga.

É fato, embora as cadeias produtivas cada vez mais sejam supridas com insumos importados para cortar custos.

Além de estruturalmente já onerada por impostos, juros, energia e logística maiores que no resto do mundo, a produtividade industrial medida em dólar também tende a ser corroída pelos salários.

Sobrou o câmbio como variável de ajuste. Mas à custa de inflar a inflação. Assim estamos: ou se revê a política econômica de cabo a rabo ou a indústria já era.

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