Cooperação em tempo de crise

Autor(es): Jomo Kwame Sundaram
Valor Econômico - 28/11/2011

A prolongada estagnação econômica nos países ricos continua a ameaçar as perspectivas de desenvolvimento dos países mais pobres. A globalização e a liberalização econômica nas últimas décadas, como sabemos, ajudaram a integrar os países em desenvolvimento à economia mundial, mas agora a própria integração está se tornando uma ameaça, quando os países em desenvolvimento estão sendo atingidos pelos efeitos secundários dos problemas do mundo rico.

Como consequência da crescente integração mundial, a expansão dos países em desenvolvimento depende mais que nunca de acesso aos mercados internacionais. Esse acesso é necessário não apenas para exportar produtos, mas também para importação de alimentos e suprir outras necessidades. A interdependência é hoje realmente uma via de mão dupla.

Infelizmente, efeitos da crise sobre o comércio foram agravados por seu impacto sobre os esforços de cooperação para o desenvolvimento, que recentemente vêm tropeçando. Quatro décadas atrás, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) assumiram o compromisso de dedicar 0,7% de seu PIB para a assistência oficial ao desenvolvimento dos países em desenvolvimento. Mas o total em 2010 atingiu apenas US$ 128,7 bilhões, ou 0,32% do PIB - menos de metade do prometido.

Da mesma forma, em 2000, os Estados membros da ONU aprovaram as Metas de Desenvolvimento do Milênio para criar referenciais para o combate à pobreza. Mas o relatório Gap Task Force Report 2011 da ONU destaca graves carências para alcançar as metas, uma lembrança preocupante sobre a necessidade de intensificar os esforços e cumprir já antigos compromissos internacionais, especialmente em meio à atual crise financeira mundial.

As promessas de países individuais de ajudar os países menos desenvolvidos não tiveram melhor sorte, ao passo que os países do G-8 não conseguiram cumprir as promessas de perdão de dívidas e de ajuda aos países mais pobres, assumidas em sua cúpula de 2005 em Gleneagles, na Escócia.

Com a virada do milênio, a ajuda para o desenvolvimento parecia surgir como uma prioridade para os países mais ricos. Mas, tendo diminuído drasticamente após o fim da Guerra Fria, duas décadas atrás, os fluxos de assistência oficial ao desenvolvimento somente foram renovados após os ataques terroristas 11 de setembro de 2001 e o Consenso de Monterrey - resultante de uma conferência da ONU em 2002 e agora referencial mais importante para o financiamento internacional para o desenvolvimento.

Mas, como antes, grande parte da assistência oficial ao desenvolvimento bilateral tem sido condicionada ou empregada visando projetos dos doadores, em vez de destinar-se ao fortalecimento de orçamentos nacionais. A ajuda vinculada exige que o país beneficiário gaste os montantes recebidos no país doador, muitas vezes adquirindo bens e serviços superfaturados ou agregados a assistência técnica desnecessária.

Como resultado, economistas de renome, inclusive técnicos de nível sênior do Fundo Monetário Internacional, têm se tornado cada vez mais críticos em relação à assistência oficial ao desenvolvimento, alegando seu insucesso em contribuir para o crescimento econômico. Mas pesquisas da ONU mostram que, desconsiderada a ajuda resultante de motivação política, as evidências apontam para um relacionamento positivo e forte. Infelizmente, apesar dos recentes esforços para melhorar a eficácia da ajuda, os progressos têm sido modestos, até porque o financiamento caiu em mais de dois terços.

O endividamento é outra face do dilema do desenvolvimento. Durante a década passada, a iniciativa conjunta do FMI e do Banco Mundial visando os Países Pobres Extremamente Endividados e sua extensão, a iniciativa complementar de Alívio Multilateral da Dívida, fizeram progressos significativos para a sustentabilidade da dívida. Mas o alívio da dívida ainda não é tratado como adicional à assistência oficial ao desenvolvimento. O resultado é "dupla contagem" - os mesmos fundos são computados primeiramente como um empréstimo em condições favorecidas e, de novo, como perdão de dívida.

Da mesma forma, na cúpula de 2001, em Bruxelas, os países desenvolvidos comprometeram-se em disponibilizar acesso a exportações com isenções alfandegárias e de quotas (DFQF, em inglês). Mas o acesso só está disponível para 80% dos produtos e qualquer condição mais restritiva do que o pleno regime de DFQF permite que os países importadores barrem os produtos que os países menos desenvolvidos podem ter êxito em exportar. A promessa da China em Cannes, de conceder 100% de acesso a seu mercado em regime de DFQF para os países menos desenvolvidos é prova de quanto o mundo mudou.

Infelizmente, muitos dos países mais pobres estão novamente endividados e o mesmo é verdadeiro para muitos países ricos, ressaltando a necessidade de um arcabouço para equacionamento eficaz das dívidas soberanas.

Além dos obstáculos às exportações, do esfriamento dos fluxos de ajuda e da dívida insustentável, os países mais pobres estão muito atrasados tecnologicamente em relação aos países desenvolvidos. O declínio das pesquisas do setor público e dos esforços por eficiência agrícola, cobrança mais rigorosa de respeito à propriedade intelectual e maior dependência de tecnologias sob controle privado produzem implicações funestas, especialmente para os pobres.

Acesso acessível e equânime a tecnologias existentes e a novas tecnologias é fundamental para o progresso humano e para o desenvolvimento sustentável em muitas áreas, entre elas, de mitigação e adaptação nos campos de segurança alimentar e de alterações climáticas.

O mesmo é verdadeiro no que diz respeito ao acesso a medicamentos essenciais por preços acessíveis, onde os progressos têm sido modestos. Em 2009, tais medicamentos estavam disponíveis em apenas 42% das instituições públicas dos países pobres e em 64% de canais do setor privado. Ao mesmo tempo, os preços medianos no setor público eram 2,7 vezes maiores do que os preços de referência internacionais e 6,1 vezes maiores no setor privado!

Com a crescente probabilidade de estagnação aguda e prolongada na maioria dos países ricos, as resultantes medidas de austeridade fiscal, o crescente protecionismo e outros desdobramentos recentes tenderão a piorar as coisas em termos de cooperação internacional para o desenvolvimento. (Tradução de Sergio Blum)

Jomo Kwame Sundaram é secretário-geral adjunto das Nações Unidas para Desenvolvimento Econômico. Copyright: Project Syndicate, 2011.

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