Laços cambiais

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 26/01/2012

Contas externas fecham 2011 em bom estado, mas pedem atenção, pois dependentes de China e EUA

A avaliação impressionista, estampada em manchetes, de que o país teve um "rombo histórico" nas contas externas em 2011 sugere, numa leitura apressada, um resultado pecaminoso, sinal de perigo. Não é bem assim, mas pode vir a ser. Depende das razões do tal "rombo".

As contas externas fecharam o ano com deficit de US$ 52,6 bilhões — o maior desde 1947, indicando que as empresas, bancos e pessoas gastaram mais dólares do que receberam —, compensado com a entrada de US$ 66,7 bilhões de investimento estrangeiro direto, o chamado IED. Tal número, sem contextualização, soa preocupante, se mais à frente, por qualquer motivo, diminuir a entrada de capitais.

É o que se prevê para 2012, ano em que, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), os países avançados vão costear a recessão. O crescimento da China continuará cedendo (de 10,4% em 2010 para uns 9,2% em 2011 e projetados 8,2% este ano). Os EUA, se nada de mais sério irromper no mundo, deverão crescer 1,8%, tanto quanto devem ter crescido em 2011, vindo de 3% em 2010.

Ambos são vitais para a "pax econômica" do Brasil, já que é deles o mando de campo em que se joga a sorte da maior parte do comércio exterior, afluente dos preços e exportações das commodities, além da inflação, dos juros e da taxa cambial — caudatários dos fluxos financeiros globais. Do resto do mundo não deve vir nada melhor.

O Japão continuará em banho Maria, alternando recessão (-0,9% em 2011) com expansão débil (1,7% este ano, segundo a bola de cristal do FMI). Mais deprimente é o cenário da Europa do euro: conforme o FMI, a região deve ter crescido pífio 1,6% em 2011 e vai encolher, este ano, 0,5%. Mesmo tais dados são incertos, já que o euro pulsa conforme a economia alemã. O PIB da Alemanha cresceu 3,6% em 2010, deve ter crescido 3% em 2011 e se prevê 0,2% para este ano.

Com a economia global batendo pino como carro velho, trafegando entre economias com baixa demanda e excesso de oferta — e mercados financeiros mais sensíveis a risco que bumbum de neném a assadura —, os cenários do FMI acenam para tempos difíceis. O IED poderá rarear, embora o Brasil tenha sido em 2011 o quarto país que mais o atraiu, logo atrás de EUA, China (com Hong Kong) e Inglaterra.

Em tal prognóstico, o crescimento econômico teria de ser contido, para cortar a necessidade de financiamento externo, prevenindo com isso um estouro do câmbio fatal para a estabilidade inflacionária.

Nas simulações do FMI, a economia brasileira cresceu 2,9% em 2011 e deve crescer não mais que 3% este ano. É menos do que projeta o Banco Central, 3,5% a 3,8%. O ministro Guido Mantega fala em 4,5%.

O fel está destilado
O fel está destilado. Mas pode ser menos amargo do que o FMI anda a projetar. Nos EUA, por exemplo, o viés do crescimento é de alta, embora ainda apoiado sobre bases frágeis. Não mais sólidas do que o terreno sobre o qual o capitalismo de Estado chinês assentou seu modelo de crescimento, muito dependente de crédito, que inflou uma bolha imobiliária maior até, em relação ao PIB, da que se formara nos EUA, e de investimento em capacidade industrial que o mundo já não consegue absorver. A esperança é que o governo chinês continue provando-se competente para superar as vicissitudes da economia. E isso depende também da sorte dos EUA e, em menor grau, da Europa.

Transatlântico chinês
Saímos de uma dependência econômica para cair noutra, sem atentar que a China é mais dependente dos EUA do que o Brasil jamais foi. Nossas exportações para a China aumentaram 18 vezes entre 2000 e 2009, tornando-a responsável por mais de 17% do comércio externo brasileiro. Em 2011, a China importou US$ 44,3 bilhões do Brasil, 43% mais do que em 2010. Se o crescimento chinês encolher mais do que prevê o FMI (8,2%), muitos tombarão, como o Costa Concordia. E estamos entre os embarcados no transatlântico chinês.

Deficit sem boa causa
Até uma década atrás, as contas externas eram a última trincheira de resistência da economia nacional. Hoje, não mais. A acumulação de reservas (US$ 352,6 bilhões no dia 24) formou um seguro contra a escassez cambial. Abatidas as reservas, a dívida externa caiu de 34,2% do PIB em 2002 para -2,2% em 2011, o que significa dizer que o país passou a credor líquido do mundo. O deficit externo também não assusta. Como proporção do PIB, foi de "apenas" 2,1% em 2011.

A combinação das reservas com o boom das commodities cauterizou a fraqueza cambial, fonte de todas as megacrises vividas pelo país. Mas tem servido mais para sustentar o gasto corrente, ao custo de solapar a indústria, que para vitaminar o investimento.

O que merece discussão
Os motivos da existência de deficits externos e não sua dimensão, quando razoavelmente administrados, é que merecem discussão. Se o deficit resulta de importações de bens de capital mais que de bens de consumo e de outras despesas cambiais ligadas à transformação da economia, são justificáveis economicamente. Mesmo nos EUA, fora petróleo, hoje boa parte do deficit vem da importação de máquinas e equipamentos, indicando maior competitividade industrial futura.

No Brasil, tem resultado mais de gasto em consumo e turismo, além da remessa de juros e lucros — função da falta de crédito em reais à produção e da dependência de capitais externos. Embora percebido como sinal de prosperidade, tal cenário não é empolgante.

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