"O sistema tributário detona com os investimentos no exterior"

Autor(es): Murilo Ferreira
Época - 30/01/2012

O presidente da Vale critica a legislação e diz que a empresa não reservou recursos para pagar dívida de R$ 26,7 bilhões com a Receita

LEONARDO SOUZA E ISABEL CLEMENTE

Não é uma disputa qualquer. são r$ 26,7 bilhões. Esse é o valor das autuações (incluindo juros e multa) que a Receita Federal aplicou contra a Vale nos últimos anos por entender que a empresa não recolheu os impostos devidos sobre o lucro obtido por suas subsidiárias no exterior. A mineradora discorda do entendimento do Fisco e recorreu à Justiça, mas tem amargado sucessivas derrotas. A empresa não reservou recursos em seu balanço para o caso de ter de pagar a dívida. "É preciso saber se o governo brasileiro entende que nós devemos ter empresas brasileiras fortes fora do Brasil ou não", afirma o presidente da Vale, Murilo Ferreira, de 58 anos. Ele defende mudanças na legislação tributária.

Ferreira assumiu a presidência da Vale em abril do ano passado sob insinuações de que seria o "homem da Dilma" na empresa. Ele diz não falar somente em nome da mineradora, mas de praticamente todas as grandes empresas brasileiras com operações no exterior, como a Petrobras e a Ambev. A Vale atua em 37 países além do Brasil. Ferreira antecipou a ÉPOCA, na última terça-feira, uma notícia boa para a mineradora: a companhia obteve naquele mesmo dia uma licença para explorar uma nova mina em Carajás, Pará, a primeira concedida pelo Ibama nos últimos dez anos.

ÉPOCA – A Vale tem sido autuada pela Receita Federal por divergências na tributação do lucro das subsidiárias no exterior. As autuações somam R$ 26,7 bilhões (quase o lucro de 2010, de R$ 30,1 bilhões). A Vale separou recursos para uma eventual derrota nesse caso?
Murilo Ferreira – Esse debate é muito importante, porque tem a ver com a vontade de o Brasil ter empresas no exterior ou não. Como você vai ter esse investimento no exterior? Vamos dar o exemplo de Moçambique. Fizemos um investimento vultoso lá, R$ 1,823 bilhão. Você tem todo um sistema tributário em Moçambique. Se você tiver de reconhecer isso aqui (pagamento de tributos no Brasil sobre o lucro obtido pela subsidiária) depois de ter recolhido em Moçambique, qual vai ser nossa motivação de estar num lugar daqueles? Se você tem uma insegurança jurídica, como vai fazer um investimento como esse que nós fizemos? Esse conceito de tributação de controladas e coligadas no exterior detona, acaba com a possibilidade de as empresas investirem no exterior. Isso é muito ruim porque as empresas brasileiras precisam se internacionalizar, ficar globalizadas, precisam produzir fora do Brasil. Não existe, por exemplo, grande disponibilidade de potássio no Brasil. O Brasil importa 90% de seus fertilizantes. Então, a Vale está produzindo potássio na Argentina. Se você tiver um sistema tributário hostil aqui no Brasil para fazer esses investimentos, certamente não terá a motivação necessária.

ÉPOCA – Detona de que forma?
Ferreira – Se você for tributado lá e tributado aqui, é uma bitributação. Aceito o regime tributário de Moçambique, nossa responsabilidade tributária é lá. Vamos supor que essa legislação expresse realmente o interesse das autoridades brasileiras. Isso significará um tremendo desestímulo para uma empresa brasileira investir no exterior.

ÉPOCA – Se o governo quiser que as empresas brasileiras sejam multinacionais fortes, precisaria rever esse aspecto da legislação?
Ferreira – Essa questão vem antes da disputa entre a Receita e as grandes empresas. É preciso saber se o governo brasileiro entende que nós devemos ter empresas brasileiras fortes fora do Brasil ou não.

ÉPOCA – A Vale alterou em seu balanço a possibilidade de derrota nesse caso de “remoto” para “possível”. A Vale fez provisões em seu balanço para o caso de perder essa causa?
Ferreira – Não. Nós temos aí “provável, possível e remoto”. Nós estamos na faixa intermediária. Mas isso não significa que haverá provisão. Você precisa ter um grau de certeza muito forte para fazer a provisão. E nós não concordamos que somos devedores dessas quantias. O provisionamento só ocorre quando você vai para “provável”. Os escritórios que apoiam a causa da Vale, que são os mais renomados do Brasil, não acreditam que nós devemos constituir provisão. Nem os auditores têm reclamado disso.

ÉPOCA – Não há um risco para os acionistas?
Ferreira – Nós não enxergamos dessa forma.

ÉPOCA – Qual é sua relação com a presidente Dilma? Ela já fez alguma cobrança direta?
Ferreira – Minha relação com a presidenta Dilma é de muito respeito e admiração. Ela é uma pessoa extremamente competente, uma gestora de qualidades muito raras. É difícil encontrar uma pessoa com tanto foco quanto ela. Então, a gente só pode ter respeito e admiração. Ela nunca me fez uma cobrança direta. Ela demonstra um interesse muito grande em saber quanto a gente está crescendo, sempre de forma genérica.

ÉPOCA – Qual é a diferença da gestão de Roger Agnelli (ex-presidente da Vale) para a de Murilo Ferreira?
Ferreira – Tive a honra e o privilégio de ter sido diretor do Roger. Cheguei à Vale sete meses depois da privatização, em janeiro de 1998. Fiquei até o começo de 2009. O Roger veio para a empresa em 2001 e ficou até 2011. Tive a oportunidade de ver o crescimento da Vale e os méritos dele. Os deméritos, se ele os tinha, eu fechei os olhos.

ÉPOCA – Mas há diferenças. Por exemplo, na frota de navios. A Vale vinha investindo numa frota própria, mas agora começou a se desfazer dos navios.
Ferreira – Não diria que é uma mudança de estratégia, mas uma diferença na aplicação da estratégia. Acho que os recursos financeiros da Vale têm de ser empregados no seu próprio negócio: minério de ferro, níquel, cobre, carvão metalúrgico e fertilizantes. Nós temos projetos muito intensos de capital nos próximos anos. Só no projeto Serra Azul, em Carajás, são US$ 19,5 bilhões. No projeto do Rio Colorado, na Argentina, são US$ 5,9 bilhões. No projeto de ferrovia, porto e expansão da mina em Moçambique são US$ 6,5 bilhões. Nós devemos aplicar os recursos naquele que é o negócio principal da empresa, ou seja, mineração. Qual o conceito por trás de adquirir os navios? É você não ficar exposto à volatilidade do frete. Se você vende os navios, coloca-os com uma terceira parte, mas contrata o frete por longo prazo, por 25, 30 anos, você está se protegendo da mesma forma, sem investimento de capital.

ÉPOCA – A Vale vai crescer neste ano? Quais são as estimativas?
Ferreira – Nós vamos crescer especialmente no níquel, porque estamos entrando em operação com nosso projeto da Nova Cale-dônia, que já está produzindo, e no Onça Puma, no Norte do Brasil, que também está produzindo. Esses projetos estão numa fase que chamamos de ramp up, que é o crescimento da produção. Temos um plano consistente de crescimento em níquel, em cobre e carvão, que acabamos de inaugurar em Moçambique neste ano. No ano passado, produzimos 1 milhão de toneladas. Neste ano, serão 5 milhões de toneladas. Agora, estamos produzindo quase a mesma coisa em minério de ferro. Desde 2007, a gente vem quase com a mesma pro-dução. Mas estamos muito felizes porque fomos informados que a licença ambiental de implantação de operação, em Carajás, do N5-Sul, foi concedida pelo Ibama.

ÉPOCA – Essa jazida é representativa?

Ferreira – É uma mina do mesmo porte das outras minas de Carajás. Estamos muito felizes porque a última mina autorizada pelo Ibama no Norte do país foi em 2002. Então a gente pode começar a pensar em crescer de novo.

ÉPOCA – A China deverá crescer menos neste ano, e o preço do minério de ferro está em queda. A Vale vai faturar menos?
Ferreira – No ano passado, nós tivemos, durante três trimestres, o preço em torno de US$ 170 (por tonelada de minério de ferro). Depois, no último trimestre, houve uma grande volatilidade, quando o preço chegou a cair para US$ 116. Mas, depois dessa queda substancial, encontra-se numa faixa entre US$ 140 e US$ 150. Al-guns formadores de opinião dizem: “A China não está fazendo isso, a China não está fazendo aquilo”. Gente, a China estava crescendo 9,5%. Saíram os dados na semana passada. A China cresceu 8,9%. Um desempenho excepcional. Apesar da torcida, especialmente do Hemisfério Norte, a derrocada da China não vai acontecer. A China está baseada em bons fundamentos macroeconômicos e vai continuar crescendo. Evidentemente, temos uma crise na Europa, e o processo de recuperação é demorado. A economia americana deve melhorar um pouco, mas hoje não é representativa para o mercado de aço como foi no passado. Atualmente, o grande “player” é a China. Nossas vendas para a Ásia representam entre 65% e 70% de nossas exportações. Quase 50% vão para a China.

ÉPOCA – O senhor mencionou Carajás, Moçambique e Argentina, projetos concebidos num momento de um mundo em expansão. Esses projetos continuam a fazer sentido no atual cenário mundial?
Ferreira – Países como a China, a Índia, a Indonésia, o Paquistão, as Filipinas e o Brasil, que estão na rota certa de desenvolvimento, vão demandar muito mais matéria-prima do que o Primeiro Mundo. Esses países ainda precisam construir sua infraestrutura urbana, moradias às pessoas. Têm uma série de investimentos que precisam ser desenvolvidos e, portanto, muito mais consumidores que o G7.

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