Visão do Correio :: Habilidade no trato com Argentina

Correio Braziliense - 23/01/2012

Não é de hoje que a Argentina recorre a manobras para dificultar a entrada de produtos brasileiros no país. Há quase uma década Buenos Aires vem impondo, por decreto, restrições ao comércio. São licenças não automáticas que disfarçam o objetivo real — procrastinar ou impedir as importações.

Segundo norma da Organização Mundial do Comércio (OMC), o documento deve ser liberado em, no máximo, 60 dias. Não é, porém, o que se observa. O prazo ultrapassa — e muito — os dois meses. O prejuízo bate no bolso dos empresários verde-amarelos e atinge mais duramente os fornecedores de mercadorias que chegam ao mercado vizinho fora da estação.

Resolução recém-divulgada radicaliza o protecionismo. A partir de fevereiro próximo, todo importador deve apresentar declaração juramentada antecipada de importação. Na prática, significa mais controle do Estado. Nas palavras de Roberto Gianetti da Fonseca, diretor da Fiesp, "isso é limitar importações, discutir caso a caso com cada empresa se pode ou não comprar de outros países. Se entrar em vigor, podemos rasgar o Mercosul".

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, elevou o tom. Em Nova York, disse que o país vizinho vem sendo "problema permanente" para o Brasil. A ministra da Indústria argentina considerou o comentário injusto haja vista o superavit favorável a Brasília no comércio bilateral — quase US$ 6 bilhões. As exportações saltaram 25% nos últimos 80 meses.

Fernando Henrique e Lula também enfrentaram protecionismo da Casa Rosada. Sabiamente mostraram tolerância. Negociações diplomáticas administravam as crises. A entrada direta do ministro Pimentel sugere que Dilma Rousseff adotará comportamento diferente. No ano passado, a presidente deu resposta pesada ao parceiro. Em junho, dificultou a importação de automóveis — medida que afetou todos os países, mas atingiu principalmente a indústria argentina. Em uma semana, Buenos Aires recuou.

Em momento delicado como o de agora, vale lembrar que o Mercosul é importante para ambos os países. A Argentina é o terceiro comprador de produtos brasileiros. Há 80 meses a balança pende a favor do Brasil. Mas já pendeu para o outro lado. Impõe-se olhar a longo prazo. Buenos Aires enfrenta situação de deterioração dos fundamentos macroecoômicos. Desequilíbrios decorrentes de políticas heterodoxas tomadas pelos Kirchners para recuperar-se da depressão do início de 2000 se traduzem em crônica inflação alta e crescentes deficits das contas públicas e externas.

É verdade que o casal K nunca demonstrou apreço pelas regras do jogo. Agora, para não fazer frente aos problemas estruturais que roubam a competitividade da indústria nacional, Cristina tornou regra o que deveria ser exceção. Estão certos os empresários brasileiros de forçar o Itamaraty a abrir negociações com a presidente argentina tão logo ela retome as atividades. A crise da União Europeia deteriorou os processos de integração regional e atiçou medidas protecionistas. Impõe-se medida paliativa. Como diz Martin Lousteau, ex-ministro da Economia da Argentina, "a crise global vai ser dura para todos. A região tem de encontrar um modo de defender-se unida". É o caso.

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