G-20 termina sem aliviar a crise da Europa, que é só dela, até a solução, tão fácil como complexa

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 05/11/2011

Quem é contra a luz elétrica, a água encanada, a vacina contra a poliomielite, empregos decentes para todos, coisas assim? Pois é: a cúpula dos chefes de governo do Grupo dos 20 (G-20), em Cannes, terminou repleta de platitudes. Melancólica, numa palavra.

O comunicado final resume o fracasso previsível. "Hoje", disseram os líderes do G-20, "reafirmamos nosso compromisso de trabalharmos juntos e tomarmos decisões para revigorar o crescimento econômico, criar empregos, garantir a estabilidade financeira, promover a inclusão social e fazer a globalização servir às necessidades do povo". Traduzindo: obrigações básicas de qualquer governante, mas que muitos deles que foram a Cannes deixaram de cumprir.

Os europeus, anfitriões da cúpula armada pelo presidente Nicolas Sarkozy, aproveitando-se de a França estar na coordenação rotativa do G-20, esperavam o quê? Tudo o que não se encontra de graça.

E que recusaram ao ex-Terceiro Mundo, quando Brasil, Argentina, México, Tailândia, um sem-fim de países, foram à bancarrota pelo peso de dívidas externas impagáveis, tais como Grécia, Portugal e Irlanda hoje — e talvez Itália e Espanha amanhã.

Os europeus queriam dos países emergentes, únicos com crescimento econômico no mundo, embora minguando, dinheiro de suas reservas de divisas para o tal EFST, fundo criado na Zona do Euro para assumir os títulos da dívida soberana europeia que o mercado repeliu, como os da Grécia insolvente e da Itália sob suspeita, além de aliviar os bancos europeus dessa carga tóxica que os envenena.

Dois presidentes, em especial, foram mais assediados: Hu Jintao, da China, que tem US$ 3,2 trilhões de reservas, e Dilma Rousseff, no caso, talvez menos pelo tamanho do caixa do Brasil, US$ 352,6 bilhões no último dia 3 — já que outros participantes do G-20 têm mais, como Japão e Rússia —, que pela condescendência do governo Lula com tais pleitos em fóruns internacionais. Nenhum afrouxou.

Um assessor do Banco Central da China, Li Daokui, acenou com um aporte de US$ 100 bilhões no EFST, segundo o jornal francês Le Figaro, mas com condições: "Não seria irracional solicitar ao menos um pouco mais de compreensão sobre os interesses chineses".

Pergunta que diz tudo
A presidente foi igualmente incisiva. "Não tenho a menor intenção de fazer uma contribuição direta para o EFSF", disse ela. "Se nem eles têm, por que eu teria?" A pergunta retórica de Dilma encerra toda a questão sobre a crise da Zona do Euro, e não só da Grécia — algo que nem o cogitado e depois negado referendo dos gregos sobre o pacote de austeridade imposto ao país seria capaz de agravar.

Desde o início a Europa tinha a solução contra a crise, que é de insolvência da Grécia, e talvez de Portugal, mas só de liquidez no caso de Itália e Espanha — ambos vitimados pela desconfiança dos mercados por terem uma grande dívida pública à mercê de uma baixa taxa de crescimento econômico. Ao contrário de Grécia e Portugal, as economias da Itália, a terceira maior da área do euro, e a da Espanha, a quarta, são amplas e razoavelmente diversificadas.

A vacina está no euro
Para casos de insolvência, só resta o abatimento parcial ou total da dívida. Para a Grécia, será de 50% da parcela devida a bancos privados, reduzindo para 120% do PIB a dívida total — valor muito alto para um país com base produtiva ínfima. Está mal resolvido.

A situação de Espanha e Itália, e mesmo de Irlanda, onde o ajuste fiscal tem funcionado, pede outro tratamento. Nada diverso do que tem feito o Federal Reserve, nos EUA, e o Banco da Inglaterra, e é o que também se faz no Brasil. O Banco Central Europeu (BCE) teria de garantir a solvência da totalidade da dívida soberana, provendo liquidez a tais papéis até a normalização do mercado.

Crise da alma europeia
E por que isso não foi feito? Por que a Alemanha não deixa, e age assim por ter vivido duas hiperinflações, nos últimos 100 anos, de milhões por cento (repito: milhões), com desdobramentos sabidos. É o que motivou os líderes alemães e franceses, sobretudo, a buscar no pós-guerra a união comercial, culminando com a moeda comum.

A Alemanha tem uma relação complicada com o euro: é o seu virtual guardião, mas se relaciona com os parceiros da moeda comum como se cuidasse do marco, e espera deles o mesmo zelo fiscal que pratica. Se todos conseguirem conviver com isso, o que não é fácil, a crise do euro poderá virar história. Sem tal compreensão, a deterioração vai prosseguir. Mas ficou claro que o problema é da alma europeia, não bem da economia da Zona do Euro e muito menos do G-20.

O que sobrou ao G-20
Depois do happening protagonizado pelo infeliz primeiro-ministro da Grécia, atraindo a atenção com o blefe de chamar os gregos para um referendo sobre o euro, restou pouco tempo para a agenda do G-20. Tudo ficou para depois. A reavaliação da cesta de moedas do FMI, hoje formada por dólar, euro, iene e libra, visando incluir o renminbi (e o real?) será em 2015. Isso implica à China deixar o renminbi flutuar. De concreto, saiu a lista dos 29 bancos grandes demais para quebrar, portanto, alvos de maior fiscalização pelos governos de suas jurisdições. Eles terão de aumentar a provisão de capital contra riscos de inadimplência seriada. Nada disso valeu o deslocamento dos líderes a Cannes, mas foi melhor do que nada.

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