Demanda elevada provoca atraso nas liberações do Finame

Pequenas e médias empresas relatam demora nos financiamentos para compra de máquinas

Indústrias que estão correndo para aproveitar linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) mais baratas e com prazos de pagamento mais longos e, assim, desengavetar projetos de investimento - arquivados durante a crise econômica - enfrentam atrasos na aprovação e liberação de crédito por parte do banco estatal e de seus agentes financeiros, como Bradesco e Itaú Unibanco, principais repassadores privados de recursos do BNDES.

O Valor conversou com vários empresários e apurou que o problema é mais comum entre companhias de pequeno e médio porte, cuja demanda por crédito é inferior a R$ 10 milhões na tradicional linha Finame BNDES, usada para a compra de máquinas e veículos pesados. O assunto dominou evento da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) na última quinta-feira, em São Paulo. O BNDES admite o atraso em relação ao tempo anterior de liberação dos financiamentos e o atribui à demanda.

A metalúrgica TWB do Brasil, de Atibaia, interior paulista, espera pela liberação de recursos desde novembro e decidiu pagar com capital próprio a aquisição de quatro prensas. No lado do fornecedor, a DM Robótica, de Diadema (SP), entregou equipamentos mesmo sem ver a cor do dinheiro e foi obrigada a contratar empréstimo para bancar os custos de produção. Mais precavida, a Anhydro, fábrica de Goiás, só fecha negócio com cláusula contratual de garantia de pagamento assinada pelo cliente.

De acordo com BNDES, a razão para os atrasos é a explosão da demanda pelas linhas de bens de capital do Finame, que tiveram taxas reduzidas em mais de 50% - para 4,5% ao ano, menos de 0,40% ao mês - e condições de pagamento flexibilizadas com o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), lançado em junho de 2009 como medida anticíclica, e prorrogado até 29 de junho deste ano. Antes do PSI, o Finame fechava cerca de 5 mil operações por mês, volume que triplicou para 15 mil. Apesar do crescimento acelerado, o BNDES manteve seu quadro de 80 profissionais. O superintendente de operações indiretas do banco, Claudio Bernardo Guimarães de Moraes, admite que agora a instituição precisa do dobro do prazo para aprovar as propostas do Finame que chegam dos agentes financeiros. "Houve uma avalanche de pedidos. Levávamos dois dias para aprovar uma PAC [proposta de abertura de crédito], agora o processo demora quatro dias."

No primeiro bimestre, 37.827 operações foram aprovadas para as linhas do Finame, Finame Agrícola e Finame Leasing, 226% mais que no mesmo período de 2009 e 199% a mais que nos dois primeiros meses de 2008, quando a economia brasileira ia muito bem. Os desembolsos do BNDES em janeiro e fevereiro de 2010 nessas linhas somaram R$ 7,2 bilhões, mais que o dobro liberado em 2008 e 2009.

Um executivo da área comercial do Bradesco, que preferiu não se identificar, revela os bastidores do "furacão PSI". "Contratamos terceiro turno, trabalhamos no carnaval, liberamos horas extras para dar vazão ao fluxo de pedidos de financiamento. Antes do PSI, nossa média era avaliar 150 consultas diárias do Finame. Dois meses depois, em setembro do ano passado, esse número já passava dos 1.200 contratos, nossa capacidade de análise de crédito se deteriorou muito", diz. Segundo a fonte, além do boom da demanda por crédito, havia muitos processos que chegavam incompletos. "Normalmente um pedido levava de três dias a uma semana para ser protocolado no sistema do BNDES. Por causa do excesso de consultas, esse prazo subiu para 20 dias naturalmente, e se havia algum documento errado ou vencido, ele era revisado e entrava no fim da fila da análise, podendo demorar ainda mais para seguir para o protocolo."

Segundo maior repassador de recursos do BNDES, o Bradesco é um dos bancos criticados pelos atrasos na análise do crédito e liberação dos recursos do Finame. Christian Harder, gerente-geral da TWB do Brasil, metalúrgica com faturamento anual de R$ 55 milhões que produz a estrutura metálica dos bancos dos carros da Volkswagen, fechou Finame de R$ 2 milhões com o Bradesco para a compra de quatro prensas. Ele está desapontado com o banco. "Entregamos o processo completo em 28 de novembro e nos disseram que até o Natal teríamos uma posição. Meu controller ligou no dia 4 de janeiro e o gerente do Bradesco nos informou sobre a falta de uma declaração que certificasse que não comercializávamos madeira. Achei muito estranho levar mais de um mês para ter essa resposta e pela cobrança inusitada, afinal somos uma metalúrgica especializada em solda", recorda Harder.

O processo segue indefinido, mas, pressionado pelo fornecedor, a empresa usou recursos do caixa para pagar pelas máquinas. "Agora estamos estudando uma compra maior, um projeto de R$ 10 milhões. Não temos caixa para cobrir atrasos nesse caso, por isso decidimos pedir garantia financeira à matriz na Alemanha. Aprendemos que esse tipo de financiamento envolve risco muito alto e tamanho não é documento quando o repassador não age com transparência", complementa o executivo. Procurado, o Bradesco apenas encaminhou uma nota por meio da assessoria. "O Bradesco irá averiguar os detalhes e prestar os esclarecimentos devidos", informou o banco.

Sobre atrasos, na mesma nota, a instituição observou que "realizou um volume de 10.284 operações (...) em janeiro", confirmou o grande aumento na demanda, mas disse que ela foi maior no final do ano passado, quando o prazo do PSI ainda não havia sido prorrogado, e ponderou que "todas as operações tiveram e estão tendo vazão".

Nos últimos meses, a DM Robótica, fabricante de robôs injetores de peças plásticas utilizados por indústrias da linha branca, realizou 15 vendas a clientes que recorreram ao Finame "turbinado" pelo PSI, num montante de R$ 2 milhões. Só não teve problema nas transações intermediadas pelo Banco do Brasil. "Tivemos dor de cabeça com Itaú e Bradesco por causa de atrasos. Entregamos a encomenda no prazo, mas ainda não recebemos nada porque os clientes estão brigando com os bancos. Precisamos contratar um empréstimo de capital de giro para pagar os fornecedores, o que acabou comendo parte do lucro com a venda das máquinas", relata José Luiz Galvão Gomes, diretor comercial da DM Robótica. O Itaú Unibanco, procurado, não se manifestou.

Luciano Máximo, de São Paulo

22/03/2010
Fonte: Valor Econômico