Mercosul melhora oferta automotiva para UE

O Mercosul ofereceu à União Europeia (UE) maior abertura de seu setor automotivo e propôs uma barganha de "zero por zero" de produtos agrícolas processados (PAPs), visando fechar um acordo de livre comércio ainda este ano. O Valor apurou que a UE, por sua vez, acenou com flexibilidade na área agrícola, mas quer estabelecer uma "bolsa comum" de concessões no setor. Bruxelas reduziria o número de cotas agrícolas de 14 para 3 produtos do Mercosul. A questão é se isso poderia ser compensado com redução tarifária maior do que foi até agora discutido.

A UE propôs nova reunião para fins de abril em Bruxelas, o que foi interpretado como sinal de que as negociações poderão avançar. Em abril, ficará claro, portanto, o que será possível anunciar em maio, durante a reunião de presidentes em Madri. O que o Mercosul fez foi, na prática, atender demanda da UE para que o bloco voltasse a negociar com base numa oferta do começo de 2004, pela qual a cobertura da liberalização no bloco alcançaria perto de 90% do comércio, no acordo birregional.

Para isso, o bloco ofereceu agora reduzir de 18 para 15 anos o período para a eliminação de tarifas de importação de automóveis. Nesse período, o Mercosul daria uma cota os carros europeus com tarifa menor. Para o setor de peças, a liberalização também passa a ser ao longo de 15 anos. É outra melhora, já que oferecia antes apenas uma margem de preferência para os europeus, de 25% a 50% em relação a outros parceiros, mas nunca a eliminação da taxa.

Alguns outros produtos também continuarão submetidos a prazo maior de proteção, mas o grosso dos produtos industriais terá as tarifas de importação abolidas no Mercosul ao longo de dez anos. Tanto o Mercosul como a UE haviam recuado em suas ofertas em 2004, e a partir daí a negociação ficou congelada por anos. As discussões foram retomadas em fins do ano passado, para se decidir ou não pela volta concreta da negociação, com o objetivo de concluí-la rapidamente.

Uma proposta que já vinha sendo amadurecida há tempos voltou agora à mesa de negociação: a eliminação mútua de tarifas para uma série de produtos agrícolas processados, mais caros e de maior valor para os exportadores. Mas o Mercosul ressalvou que precisa de mais prazo para a eliminação das tarifas de importação dos PAPs dos europeus, a fim de dar tempo a seus produtores de melhorarem a própria competitividade.

Em 2004, Bruxelas apresentara uma oferta ao Mercosul, que estimava valer US$ 2,9 bilhões, dos quais US$ 1,2 bilhão proveniente de melhor acesso para os PAPs. Mas os europeus ofereceriam apenas preferência tarifária de 50%, sem reduções posteriores.

A importância desses produtos é clara para os dois lados: estudo da Comissão Europeia, braço executivo da UE, mostra que 67% das exportações agrícolas dos países-membros já envolvem produtos processados, mais caros. No caso dos EUA, o percentual alcança 44%, no Brasil, 43%.

As ofertas dos dois blocos têm lógicas diferentes. O Mercosul abre mais na área industrial. A UE, na agricultura, onde o lobby é cada vez mais forte, sobretudo no rastro da crise econômica, que levou agricultores a se manifestarem nas ruas, pedindo proteção.

Na negociação, os europeus já tinham admitido abrir cotas (limite quantitativo de produtos) como forma administrada de liberalização. Mas sempre disseram que só tinham um bolso para pagar. Agora Bruxelas apareceu com com a dita "bolsa comum", para combinar a liberalização que tem de oferecer ao Mercosul, de um lado, e a que pagará na negociação multilateral se a Rodada Doha avançar.

A questão é como compensar o Mercosul com a possibilidade de cortar o número de cotas, e para quais produtos. Bruxelas indicou que está fazendo exames internos para poder dizer o que faria na negociação da OMC, por exemplo.

O que não dá, como indicam fontes que acompanham as discussões, é Bruxelas aparecer com "coisas esdrúxulas", justamente quando a tentativa é de fechar um acordo possível e dar uma sinalização política do interesse de cooperação birregional.

"Não dá para, na hora do gol, mudar a trave de lugar", comentou um especialista. Se as mudanças de posição forem muitas, ou na verdade nenhuma, tudo continuará travado.

A Argentina e a Espanha, que têm a presidência rotativa do Mercosul e da UE, esperam anunciar a retomada da negociação em maio. E a partir daí, as verdadeiras negociações deveriam ser rapidamente concluídas.

Ontem, no Rio, o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Celso Amorim, observou que o Mercosul não recebeu nenhuma sinalização de que os europeus poderiam flexibilizar barreiras importantes. "Já fizemos da parte do Mercosul um gesto muito importante em direção da União Europeia e, agora, é preciso que eles respondam porque não pode ter gesto só de um lado", disse ele.

"Se fizermos mais, não vamos mais ter moedas para negociar quando as conversas da OMC recomeçarem", disse Amorim. "Queremos, evidentemente, mais espaços para nossos produtos agrícolas. Eliminar barreiras, aumentar cotas e dar mais acesso ao etanol." Para o ministro, um acordo com a UE pode servir de parâmetro para avanços comerciais com outros países. (Com agência Reuters, do Rio)

Assis Moreira, de Genebra
24/03/2010
Fonte: VALOR ECONÔMICO