Argentina e Brasil querem autopeças com conteúdo local

Relações externas: País vizinho defende medidas para montadoras
Sergio Leo, de Brasília
13/08/2010

Os governos do Brasil e Argentina querem adotar medidas para que as montadoras de automóveis nos dois países aumentem o conteúdo local de peças e partes em seus produtos, anunciaram ontem o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral e o secretário de Indústria argentino, Eduardo Bianchi. As autoridades ainda não chegaram a um acordo sobre as medidas, mas tomaram "a decisão política", afirmaram os secretários.

Os argentinos defendem propostas mais severas em relação às montadoras , como licenças de importação, para obrigá-las a reduzir o que classificam como "desvio de comércio" no setor. Os brasileiros preferem outros mecanismos "de mercado", mas concordaram com a delegação argentina em convidar as companhias para discutir o assunto, após fazer um estudo para identificar as razões pelas quais as montadoras têm trocado fornecedores locais por produtores de fora da região. Há casos em que as firmas preferem peças mais caras, alegando problema de qualidade no similar vendido no Mercosul.

"O que temos por enquanto é a decisão política de promover maior conteúdo regional na produção de automóveis", resumiu Bianchi, ao lado de Barral, na manhã de ontem, durante uma interrupção na reuniões entre os dois governos. O encontro faz parte do mecanismo de discussões regulares entre os dois governos para resolver problemas no comércio bilateral.

A reunião serviu também para lançar um plano de promoção comercial conjunta de móveis, calçados e alimentos para a China e para responder a queixas de empresários, como a acusação de retenção de licenças de importação argentinas para máquinas agrícolas brasileiras, que Bianchi garantiu ter resolvido.

Os argentinos já haviam avisado ao governo brasileiro que estão preocupados com o aumento do chamado déficit no comércio de autopeças. A Argentina, no primeiro semestre, importou US$ 3 bilhões a mais do que exportou em autopeças, e cerca de um terço do total corresponde ao comércio com o Brasil. "O Brasil tem superávit com a Argentina de US$ 1 bilhão, mas um déficit com o resto do mundo de quase US$ 6 bilhões", comentou Bianchi para mostrar que o setor de autopeças brasileiro também se sente prejudicado pela política de compras das montadoras.

"A preocupação, na Argentina, compartilhada pelo governo brasileiro, é o desvio de comércio em favor de países extrazona", afirmou o chefe de gabinete do Ministério da Indústria da Argentina, Horácio Cepeda, que apontou as importações de motores e de componentes elétricos entre as mais preocupantes. Ele adiantou que os governos querem discutir com as empresas as políticas de compras e investimentos das empresas multinacionais, que desenvolvem peças no exterior e criam dependência dos fornecedores externos. A fabricação de matrizes e moldes para peças plásticas é um dos itens com maior desvio de comércio, disse Cepeda.

Os representantes do governo brasileiro, argumentando a necessidade de cuidado para não quebrar regras que têm atraído investimentos aos dois países, argumentaram que a melhor maneira de atrair investimentos e produção de peças e partes nos países do Mercosul é criar incentivos á instalação de linhas de produção no país, assegurar estabilidade macroeconômica e remover obstáculos que estejam influenciando a preferência por fornecedores estrangeiros.

A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) deverá realizar nos próximos dias um diagnóstico do setor, para orientar as conversas com os dirigentes da montadoras.

A análise das relações bilaterais incluiu discussões que reduziram as diferenças de estatística nas duas alfândegas e reclamações dos dois lados sobre retenção de mercadorias devido a problemas nas licenças de importação. A equipe do Ministério do Desenvolvimento sugeriu a extinção das licenças não automáticas de importação no comércio entre os dois países, mas a proposta foi rejeitada pelos argentinos. A delegação argentina se queixa de barreiras injustificadas a produtos químicos e frutas. Os brasileiros reclamam do mesmo tipo de problema no setor de máquinas agrícolas.

As duas equipes concluíram, após trocar dados das aduanas, que há problemas "burocráticos pontuais", que podem ser resolvidos em poucos dias. "Houve manifestação da indústria brasileira, vimos licenças em atraso, mas realmente é uma quantidade pequena", reconheceu Barral, ao relatar a reunião. Das 700 licenças com retenção comunicada ao governo brasileiro, 600 já haviam sido liberadas ontem, informou.

Bianchi informou que, dos US$ 106 milhões em máquinas agrícolas importados pela Argentina neste ano até o mês de julho, US$ 80 milhões foram de máquinas brasileiras. A participação do Brasil nas importações do produto, que havia caído de 70% em 2008 para 50% em 2009, voltou a alcançar a proporção anterior. "No total, as importações argentinas de produtos brasileiros cresceram 51%, quando as importações totais aumentaram menos, 43%", comparou Bianchi.

Fonte: Valor Econômico