G-20: mudança e desafio

Em pouco mais de dois anos foram realizadas cinco cúpulas de líderes.

Opinião: A escolha do G-20 como principal foro para deliberação de questões econômico-financeiras foi uma das maiores mudanças ocorridas no mundo.

A elevação do G-20 ao papel de principal foro para deliberação sobre questões econômico-financeiras foi uma das maiores transformações ocorridas na governança mundial desde o final da Segunda Grande Guerra. Embora a crise tenha sido o principal catalisador desse momento de "aceleração do tempo histórico", a transformação só ocorreu porque o crescimento econômico e a maior participação das nações emergentes no comércio e nos investimentos globais, entre outros fatores, há muito cobravam o aumento de sua presença nas grandes deliberações internacionais.

A ascensão do G-20 requeria, porém, duas medidas demandadas pelo Brasil desde o começo de 2008, ano em que exerceu a presidência rotativa do Grupo. Primeiro, a transformação do G-20 em foro de líderes. Segundo, o aumento da frequência e qualidade da interação entre seus membros. Criado em 1999, em seguida à "crise asiática", o Grupo era um foro de ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais que se reunia apenas uma vez por ano. Tinha pouco espaço para influir decisivamente nos principais debates econômicos internacionais.

O próprio G-20, portanto, cuja criação havia sido um passo no rumo certo, precisava ser aperfeiçoado para melhor cumprir a sua missão.

E assim se fez. O Grupo tornou-se um foro de chefes de governo e suas reuniões passaram a ser convocadas de acordo com as exigências da realidade. Em pouco mais de dois anos, contados de outubro de 2008 até novembro próximo, terão ocorrido nada menos de cinco cúpulas de líderes do G-20 e dez reuniões ministeriais. Esse dado reflete com clareza o lugar central que o G-20 ocupa nas relações internacionais contemporâneas.

Além de representar mudança fundamental, o G-20 passou a promover importantes transformações. De início, no auge da crise, os governos do Grupo assumiram o compromisso de adotar todas as ações necessárias para estabilizar o sistema financeiro. Embora fossem respostas de caráter nacional, e variassem de acordo com as circunstâncias específicas, a coordenação sem precedentes dos esforços das maiores economias do mundo foi essencial para a reversão do clima de pânico que se vivia no final de 2008. Desde então, o G-20 conduz processos inéditos de troca de informações, avaliação mútua e articulação de políticas macroeconômicas.

Diretrizes emanadas do G-20 também têm sido essenciais no contexto da reforma do sistema financeiro, em dimensões como as da regulação de capital e liquidez dos bancos, transações com derivativos, remuneração de agentes financeiros e combate aos paraísos fiscais. Por proposta do G-20, o Brasil e outros emergentes passaram a integrar o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) e o Comitê de Basileia, principais foros de regulação do sistema, cuja composição era antes limitada a economias avançadas.

Diante da necessidade de se reforçar a legitimidade das instituições financeiras internacionais, o G-20 tem servido de foro para a negociação de reformas de governança no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial. Delas deverá resultar uma maior participação dos países emergentes e em desenvolvimento nos respectivos processos decisórios, compatível com o seu peso crescente na economia global. Foi, também, por decisão adotada no G-20, que o FMI teve seus recursos triplicados e que os bancos internacionais de desenvolvimento, com capital ampliado, aumentaram seus empréstimos em US$ 100 bilhões.

A folha de serviços do novo G-20 é impressionante. E não parece razoável criticar o grupo pelo defeito de suas virtudes, pela dificuldade que, por vezes, lá enfrentamos para alcançar consensos. Afinal, o grande avanço que o G-20 traz, em comparação ao G-8, é justamente sua maior diversidade, a presença de países de todas as regiões do mundo, vivendo distintas circunstâncias e estágios de desenvolvimento. É natural que suas negociações sejam mais complexas e que as decisões do grupo reflitam essa variedade de pontos de vista, experiências e interesses.

O Brasil tem participado do G-20 de forma ativa e construtiva. Não se trata, é claro, de um arranjo perfeito e acabado. A ordem internacional está sempre em construção. Em futuro oxalá próximo, o próprio G-20 deverá ajustar o seu papel ao mundo pós-crise.

Essa perspectiva de renovação da agenda gera para os membros do Grupo, sobretudo para os países emergentes, o desafio de sermos capazes de atuar de modo cada vez mais propositivo. Até aqui, o G-20 dedicou-se sobretudo à superação da crise. Logo, porém, deverá voltar-se mais para o delineamento do futuro. Temos de estar prontos para participar plenamente dessa transição, de modo a assegurar que as visões e os interesses do Brasil sejam sempre levados em conta e que o G-20 nos ajude a alcançar uma economia global mais segura, equilibrada e justa, a um ambiente que favoreça o crescimento, a superação da pobreza e a realização integral das potencialidades de desenvolvimento em todo o mundo.

Marcos Galvão é embaixador, Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.

Por Marcos Galvão
18/08/2010
Fonte: Valor Econômico