Importação provisória ou permanente?

O expressivo aumento das importações brasileiras levantou a discussão sobre se está acontecendo ou se existe o risco de uma substituição da produção local por produtos importados. É um debate tão bom quanto difícil. Podemos procurar diferentes indicadores para guiar essa discussão, mas eles ainda não permitem nenhuma conclusão definitiva. Mas é uma boa polêmica.

No primeiro semestre deste ano, a indústria brasileira produziu 16,2% mais que em igual período do ano passado. É um momento de recuperação, pois no começo de 2009 ainda estávamos sob os efeitos da crise que se abateu sobre a economia mundial. Na mesma comparação, o volume total importado pelo país aumentou muito mais, quase 42%. Aparentemente um sinal vermelhíssimo!

Como também as importações recuaram muito em 2008, é preciso olhar para os dados com maior cautela. A relação entre os insumos importados e a produção nacional não está tão diferente do que já se viu no passado. A mesma boca de jacaré que vivenciamos em 2008 voltou, e quase na mesma proporção. O gráfico abaixo mostra, em uma correlação simplificada, a diferença entre importação de intermediários e produção local da indústria de transformação.


Em duas séries que ajustam a base 100 para dezembro de 2006, o auge da diferença entre produção local e importação de insumos (intermediários) ficou no terceiro trimestre de 2008, logo antes da crise e no começo dela (as reações no comércio exterior aparecem com uma certa defasagem porque as encomendas demoram mais, há contratos mais longos, etc). Quando olhamos a diferença entre o segundo trimestre de 2008 e o deste ano, ela é muito semelhante: quase 35 pontos lá em 2008 e 37 agora.

Há outros dados, no mínimo, intrigantes. Um deles fala sobre que armas usam os empresários dos diferentes países para concorrer e ganhar mercado. Nossos concorrentes, com certeza, usam o preço. No primeiro semestre deste ano, os preços dos bens importados pelo Brasil subiram, em média, 2%, enquanto o volume importado aumentou aqueles 42%. Ao mesmo tempo em que os bens produzidos lá fora chegavam aqui mais baratos comparados à inflação doméstica, a nossa produção vendida lá fora ficava muito mais cara. Em média, os produtos exportados saíram daqui 17% mais caros que em igual período de 2009. Isso pode ajudar, em parte, a explicar porque aumentamos em apenas 8% o volume embarcado.

Essas diferenças tão gritantes poderiam ser explicadas pelos bens que compõem nossa pauta, mas isso não parece verdadeiro. No primeiro semestre, o preço dos bens de capital (máquinas) importados por nós caiu 6%, mas as máquinas que saíram daqui ficaram, em média, 2,8% mais caras. Em intermediários, o preço do bem importado caiu 12% e o exportado aumentou 12%. Nos dois casos, claro, importamos muito mais do que exportamos, em volume!

A mesma indústria brasileira que está preocupada com a concorrência importada fechou o segundo trimestre com balanços muito bons. Como mostraram os repórteres Graziella Valenti e Fernando Torres no Valor, na última sexta-feira, um levantamento do Valor Data com 113 empresas abertas apontou um lucro líquido de R$ 18,6 bilhões, superior aos resultados tanto de 2009 como de 2008. As mesmas companhias (parte expressiva das quais do setor industrial) recuperaram margem, com ganhos expressivos no resultado da sua operação - o lucro operacional cresceu quase 130%.

Os mesmos balanços apontaram outra interessante consequência do crescimento: as empresas, especialmente as industriais, aumentaram seu endividamento entre março e junho passado. E a principal razão para isso foi a disposição de investir para aumentar a oferta, acompanhando a demanda. E só investe quem tem certeza de que seu produto vai ser consumido lá na frente.

Quase como em um quebra-cabeça, a junção de todos esses indicadores aponta para a possibilidade de que a importação, neste momento, serve muito mais para complementar a produção local, enquanto a própria indústria se prepara para, em um futuro próximo, substituir a importação. O que talvez venha a ser necessário é uma revisão das estratégias usadas pelo fornecedor local. Como o preço, por exemplo.

Denise Neumann é editora de Brasil. O titular da coluna, Sergio Leo, não escreve hoje excepcionalmente.
Denise Neumann
16/08/2010
Fonte: Valor Econômico