Mudanças podem romper inércia de sete anos

Sergio Leo, de Brasília
04/08/2010

Tema de campanha eleitoral no Brasil e de grande ceticismo entre especialistas, as mudanças realizadas nesta semana no Mercosul, para avançar o processo de união aduaneira no Mercosul rompem uma inércia de pelo menos sete anos. As medidas permitirão maior facilidade e menor custo de trânsito de mercadorias entre os países do bloco. Foram aprovadas no último semestre de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e já constavam do primeiro programa de trabalho para o Mercosul criado por sugestão do governo Lula, no primeiro semestre do primeiro mandato, em 2003.

Uma crítica comum e praticamente consensual ao Mercosul é sua incapacidade de acabar com as barreiras ao trânsito de mercadorias entre sócios. Essa incapacidade permite manobras nas alfândegas que, na prática, barram cargas transportadas de um país ao outro, desmoralizam o Mercosul e alimentam propostas de reversão do bloco a uma zona de livre comércio - no Brasil, a ideia foi levantada na Fiesp e pelo candidato oposicionista à Presidência, José Serra.

Ao encontrar paradas as negociações no Mercosul, em grande parte devido à crise econômica na Argentina, desencadeada em 2001, o governo Lula propôs e aprovou, na cúpula do bloco, em junho de 2003, em Assunção, a "Agenda 2003-2006", um roteiro de medidas para consolidar a integração do bloco e criar uma verdadeira união aduaneira, na qual os países eliminam as barreiras ao trânsito de mercadorias entre si e mantém a mesma tarifa de importação para produtos provenientes de outras nações (a tarifa externa comum, ou TEC).

Algumas medidas da agenda foram concretizadas nos últimos anos, como a criação do parlamento do Mercosul, mas foram adiadas sucessivamente, até ontem, as decisões capazes de acabar com os obstáculos à integração dos mercados dos países do Cone Sul.

O primeiro passo para essa integração seria acabar com uma aberração no Mercosul, a dupla cobrança da TEC. Hoje, quando um produto entra em qualquer país do bloco, paga a TEC, e é obrigado a pagá-la de novo se passar de um país a outro dentro do Mercosul. O Paraguai sempre foi o maior opositor da mudança, argumentando que 60% de sua receita fiscal vem da arrecadação com tarifas de importação, que poderia simplesmente desaparecer quando importadores puderem importar as mercadorias nos países do litoral e transportá-las por dentro do Mercosul ao território paraguaio.

Ontem, os paraguaios finalmente aceitaram o fim da dupla cobrança, a ser aplicado em um cronograma que se inicia em 2012 e só termina em 2014, acompanhado de medidas para compensar o fisco do Paraguai pela eventual perda de receitas. A reunião do Mercosul avançou também em outros dois pontos essenciais na união alfandegária do Cone Sul: foi aprovado um código comum para os procedimentos das alfândegas e um documento comum a ser adotado nos trâmites para cobrança de tarifas de importação e despacho de mercadorias.

No caso do código aduaneiro, o problema era a Argentina, que queria ver oficializada nele a prática de cobrança de impostos de exportação - medida condenada pelos outros sócios e de difícil aceitação política no Uruguai. A troco de aceitar essa criticada medida argentina, o Mercosul conseguiu, porém, aprovar o código. Avançou, também em pontos como a negociação de regras comuns para compras públicas, que permitirão preferências aos fornecedores vizinhos nas licitações da Petrobras, por exemplo.

O bloco ganhou mais condições de buscar associações de livre comércio com negociadores existentes como a União Europeia, mas ainda não tem o direito de ser considerado uma união aduaneira digna do nome. Como admitiu o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, há centenas de exceções à TEC, desde produtos de bens de capital e telecomunicações a sardinhas, cogumelos e marca-passos, com tarifas diferentes no Brasil. Amorim anunciou como tarefa deste semestre para o Brasil, como presidente temporário do Mercosul, negociar um cronograma para acabar com essas exceções.

Fonte: Valor Econômico