Decreto Paulista regulamenta acordo entre São Paulo e Espírito Santo nas importações por conta e ordem

Fonte: APET
Por Marcio Roberto Alabarce

Foi publicado em 27/07/2010, o Decreto SP nº 56.045 disciplinando o acordo firmado entre São Paulo e Espírito Santo a respeito do ICMS nas importações realizadas por conta e ordem de terceiro. A rigor, essa é mais uma etapa da controvérsia entre esses dois Estados, que existe desde a década de 70, quando da criação do Fundo para o Desenvolvimento das Atividades Portuárias – FUNDAP – pela Lei ES nº 2.508/70.

Já em 1972, o Fisco Paulista editava as Portarias CAT nº 2 e 42 restringindo o crédito do ICMS das empresas paulistas que recebiam mercadorias de importadores beneficiados com os incentivos financeiros do FUNDAP. À época, essa questão foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que frustrou as restrições pretendidas pelo Estado de São Paulo (Cf. RE nº 88.956). Negociações, à época, foram travadas entre os Estados, o que resultou na edição da Portaria CAT nº 11/1976, que admitiu o crédito fiscal sem restrições por 10 anos, em razão de consenso com o Espírito Santo.

Em 1985, novo acordo foi firmado com o Estado do Espírito Santo, denunciado em 1993, ano em que foi novamente editado um ato normativo restringindo o crédito fiscal dos contribuintes paulistas relativamente às aquisições feitas junto a importadores capixabas, a saber, a Portaria CAT nº 85/1993. Imediatamente, esse tema voltou ao STF no Mandado de Segurança nº 21.863. Mais uma vez a Corte Suprema acolheu, por meio de liminar, o protesto do Estado do Espírito Santo conta a reação paulista, mas esse processo jamais foi julgado em definitivo. Por fim, novas negociações entre esses Estados resultaram no Protocolo ICMS nº 23/2009 e, mais recentemente, no Convênio ICMS nº 36/2010.

Em meio a todo esse debate, uma novidade foi, justamente, o advento da Constituição de 1988, da Lei Complementar nº 87/96 e, com eles, da atual controvérsia sobre a titularidade do próprio ICMS nas importações, especialmente nas realizadas por conta e ordem de terceiros. Por uma interpretação literal das regras da Lei Complementar nº 87/96, considerava-se que o ICMS deveria ser pago em favor do Estado onde estivesse localizado o estabelecimento em que ocorresse a entrada física da mercadoria. Por outro lado, uma outra linha de interpretação – acolhida em alguns casos pelo Poder Judiciário e por algumas autoridades estaduais – passou-se a se entender que o ICMS na importação deveria ser pago desde logo em favor do Estado do real “adquirente” da mercadoria importada, o qual, no caso das importações realizadas sob a modalidade “por conta e ordem de terceiros”, seria o encomendante da mercadoria.

Em relação às importações por conta e ordem de terceiros, em síntese, esse é o entendimento firmado por São Paulo e Espírito Santo por meio do Protocolo ICMS nº 23/2009. Mas esse ainda é um tema polêmico, como se vê pela ressalva a esse posicionamento da parte dos demais Estados no texto do Convênio ICMS nº 36/2010. A questão é realmente muito complexa, envolve questões de difícil resolução ligadas à interpretação das normas aplicáveis e do pacto federativos, e, por isso mesmo, não comporta generalizações.

No entanto, com essa outra linha de entendimento, em vez de sofrer restrições parciais ao crédito do ICMS relativo às mercadorias importadas por empresas situadas no Espírito Santo, em valor limitado ao montante do benefício financeiro decorrente do FUNDAP, o encomendante passou a sofrer autuações relativas ao próprio ICMS da importação e, como reflexo, ao valor integral do crédito de ICMS, que passou a ser considerado inexistente. Com isso, muitas empresas viram suas contingências aumentarem consideravelmente.

Em meio a este cenário de controvérsias, São Paulo e Espírito Santo firmaram o acordo formalizado pelo Protocolo ICMS nº 23/2009, confirmado junto aos demais Estados por meio do Convênio ICMS nº 36/2010. Agora, esse acordo foi regulamentado em São Paulo pelo Decreto SP nº 56.045, de 26 de Julho de 20 10.

Pelo novo Decreto, o contribuinte paulista que tiver encomendado a importação de bens e mercadorias do exterior junto a empresas importadoras estabelecidas no Estado do Espírito Santo na modalidade “operação por conta e ordem de terceiros” poderá requerer, até 31/10/2010, o reconhecimento dos recolhimentos efetuados ao Estado do Espírito Santo. Esse reconhecimento é aplicável às importações contratadas até o dia 20/03/2009, cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido até 31/05/2009.

Pela sistemática do novo Decreto, o Estado de São Paulo, ao “reconhecer” tais recolhimentos, promoverá a suspensão dos atos de cobrança e, após certo período, os créditos tributários correspondentes serão extintos. Com a ressalva de que a própria existência do crédito tributário em favor do Estado de São Paulo é controvertida – já que essa questão ainda suscita significativas discussões jurídicas – o fato é que esse Decreto está a anistiar e a remitir os débitos de todos aqueles que atendam às condições previstas nessa nova legislação.

Na prática, o contribuinte deverá apresentar um requerimento às autoridades fiscais indicando as importações realizadas junto a importadores capixabas elegíveis ao tratamento previsto no Decreto.

Nesse requerimento, o contribuinte também deverá indicar todas as importações realizadas nessa mesma modalidade contratadas após 20/03/2009 e/ou cujo desembaraço tenha ocorrido após 31/05/2009, mas, nesse caso, abrangendo tanto os importadores situados no Espírito Santo como os importadores localizados em outros Estados. Em relação a elas, o contribuinte paulista deve declarar que efetivou o recolhimento do ICMS incidente na importação em favor do Fisco paulista. Nesse caso, o Decreto prevê que o contribuinte que não tenha pago o ICMS em favor do Estado de São Paulo em relação a essas operações de importação por conta e ordem – note-se: abrangendo os importadores situados no Espírito Santo e nas demais Unidades da Federação – poderá realizar esse pagamento com os acréscimos legais aplicáveis em até 15 dias, contados da data e apresentação do requerimento. Esse pagamento, deve-se enfatizar, é condição para assegurar o tratamento fiscal previsto no Decreto.

Vale o comentário no sentido de que, além desse pagamento, o contribuinte deverá avaliar a necessidade de regularização (estorno) dos eventuais créditos de ICMS que tenha apropriado, relativamente às remessas interestaduais oriundas dessas empresas importadoras, sem prejuízo do eventual aproveitamento, como crédito fiscal, do ICMS agora pago em favor do Estado de São Paulo.

Por outro lado, o contribuinte também deverá declarar ao Fisco Paulista a totalidade das operações de importação por conta e ordem de terceiros nas quais tenha figurado como encomendante, realizadas com importadores de outros Estados, cujo desembaraço aduaneiro tenha ocorrido entre 01/06/2005 e 31/05/2009. Em relação a elas, o Decreto prevê que o contribuinte que tenha realizado tais operações de importação por conta e ordem poderá realizar esse pagamento com os acréscimos legais aplicáveis em até 15 dias, contados da data e apresentação do requerimento. Para essas operações, o pagamento do ICMS em favor de São Paulo não é condição ao gozo do tratamento previsto no Decreto, sendo certo que o contribuinte ficará sujeito a eventuais autuações relativamente a essas operações.

Feito o requerimento – desde que atendida às condições acima referidas, dentre outras – serão suspensos os procedimentos de fiscalização e demais atos de cobrança relativamente às importações realizadas por intermédio de empresa importadora situada no Espírito Santo alcançadas pelo Decreto. Em seguida, o Fisco paulista solicitará ao Fisco capixaba uma certidão atestando que o ICMS dessas mesmas operações de importação foi integralmente realizado na forma da legislação estadual capixaba, e que o recolhimento é apto a ser reconhecido pelo Estado de São Paulo.

É importante notar que existem regras nesse Decreto segundo as quais a suspensão das fiscalizações e atos de cobranças pelo Estado de São Paulo será interrompida, dentre as quais:

(i) a constatação de irregularidade no pagamento do ICMS devido na importação, por contribuintes paulistas, relativamente às operações por conta e ordem de terceiros, realizadas por importador situado no Espírito Santo ou em qualquer outra Unidade da Federação, contratadas após 20/03/2009 e/ou desembaraçadas após 01/06/2009;

(ii) a verificação de evasão fiscal, simulação de operações ou omissão no preenchimento dos documentos de importação, ainda que tais acusações não tenham sido definitivamente julgadas, sendo certo que esse último aspecto em particular pode suscitar significativas controvérsias judiciais, por trazer um ônus ao contribuinte em virtude de uma acusação sem lhe permitir a defesa pertinente;

(iii) a denúncia, pelo Estado de São Paulo ou pelo Espírito Santo, dos termos do Protocolo ICMS nº 23/09, o que traz significativa margem de insegurança ao contribuinte, e, sob certa perspectiva, viola uma noção mínima de direito adquirido, pois o contribuinte é levado a se autodenunciar e a adotar uma série de posturas sob a condição resolutória de eventual mudança de rumos políticos.

Se as condições previstas no Decreto forem satisfeitas por certo período, os créditos tributários que estiverem suspensos serão extintos de acordo com o cronograma previsto no artigo 5º do Decreto. Em 31/12/2010, serão extintos os créditos tributários – eventualmente reclamados pelo Fisco Paulista – relativos aos recolhimentos efetuados ao Estado de Santa Catarina até 31/05/2005. Nos anos seguintes, a regra prevê a extinção do crédito tributário no dia 31/06 de cada ano, relativamente às operações realizadas no quinto ano anterior. Assim, em 01/06/2014 serão extintos os créditos tributários relativos aos recolhimentos efetuados entre 01/06/2008 e 01/05/2009.

Enfim, apesar de certas críticas que podem ser lançadas contra algumas das condições impostas pela legislação, a verdade é que o novo Decreto constitui uma importante medida da legislação paulista para viabilizar a regularização das contingências de empresas com passivos de ICMS significativos. Em cada caso concreto, impõe-se a avaliação criteriosa quanto às condições exigidas pela legislação, bem como sobre as garantias e incertezas dela decorrentes.