Argentina retém entrada de calçados

Argentina reforça retenção de sapatos
Autor(es): Por Sérgio Ruck Bueno e Cesar Felício | De Porto Alegre e Buenos Aires
Valor Econômico - 29/09/2011

A Argentina voltou a atrasar a liberação das licenças de importação de calçados brasileiros bem além do prazo de 60 dias admitido pela Organização Mundial de Comércio (OMC). A Abicalçados, que representa os fabricantes do Brasil, calcula que o setor já acumula o volume recorde de 3,4 milhões de pares aguardando autorização para ingressar no país vizinho, alguns há mais de 210 dias, avaliados em US$ 33,9 milhões.

A Argentina voltou a atrasar a liberação das licenças de importação dos calçados brasileiros bem além do prazo de 60 dias admitido pela Organização Mundial de Comércio (OMC). A Abicalçados, que representa os fabricantes do Brasil, calcula que o setor já acumula o volume recorde de 3,4 milhões de pares aguardando autorização para ingressar no país vizinho, alguns há mais de 210 dias, avaliados em US$ 33,9 milhões.

O diretor-executivo da entidade, Heitor Klein, cobra retaliações do governo brasileiro contra importações de produtos do país vizinho para acelerar as liberações. Segundo ele, o problema é cíclico e a situação havia melhorado em abril, logo após a imposição do regime de licenças não automáticas para a entrada de carros argentinos no Brasil, mas depois os atrasos voltaram a aumentar. "Estamos enviando relatórios semanais para o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC) desde março", afirma.

O governo brasileiro diz que o prazo médio para a concessão das licenças de importação dos calçados pela Argentina é de 75 dias e que há trâmites que já duram até um ano, mas apenas em casos pontuais. Conforme a Abicalçados, porém, o maior volume de produtos (2,4 milhões de pares) espera liberação entre 91 e 120 dias. No total, os 3,4 milhões de pares barrados correspondem a pouco mais de 50% dos 6,7 milhões de pares embarcados efetivamente para o mercado argentino de janeiro a agosto, num total de US$ 122 milhões.

Klein acredita que a falta de providências mais enérgicas contra os atrasos deve-se à preocupação de Brasília em não causar "embaraços" para a presidente argentina, Cristina Kirchner, às vésperas da eleição presidencial de outubro. De janeiro a agosto a Argentina acumula um déficit de US$ 3,7 bilhões na balança comercial com o Brasil e o governo de Buenos Aires fica mais "sensível" às pressões da indústria local em períodos eleitorais, comenta o executivo.

A recente desvalorização do real frente ao dólar tende a aumentar o rigor argentino com as importações com origem no Brasil. Como a estabilidade entre o peso e o dólar é um dos poucos instrumentos que a Argentina dispõe para frear a escalada inflacionária, a margem para que seja feita uma desvalorização do peso para acompanhar o real é pequena. Este mês, o Banco Central argentino interveio com força no mercado de câmbio para manter a cotação estável. Sem mexer na moeda, a alternativa que a Argentina dispõe para impedir que o déficit com o Brasil aumente é limitar as importações.

Em 2008, o Brasil exportou 18,5 milhões de pares para a Argentina por US$ 192,9 milhões e no ano seguinte a Abicalçados fechou um acordo com a Câmara da Indústria de Calçados do país vizinho, avalizado por ambos os governos, estabelecendo uma cota anual de 15 milhões de pares até o fim de 2011, o que equivale a cerca de 13% do mercado argentino. Depois disso, os embarques recuaram para 12,9 milhões de pares e US$ 142,4 milhões em 2009 e subiram para 14,1 milhões de pares e US$ 167,3 milhões no ano passado.

"Estamos cumprindo a nossa parte, mas a Argentina está descumprindo a lei da OMC", afirma Klein. Segundo ele, as dificuldades impostas pelos argentinos buscam ainda forçar a instalação de indústrias calçadistas no país e, no ritmo atual, as exportações de 2011 não chegarão "nem perto" da cota. Conforme a Abicalçados, desde 2008 a participação do Brasil nas importações de calçados pelos argentinos caiu de 59,7% para 52,3% (até agosto de 2011). O espaço foi perdido para os produtos asiáticos, especialmente os chineses.

E o problema não termina por aí. Após o vencimento da cota atual, segundo afirmam produtores brasileiros radicados no país vizinho, os argentinos vão tentar forçar o rebaixamento do teto para 12 milhões de pares por ano. De acordo com um fabricante que atua na província de Buenos Aires, a China pode ser a principal beneficiária de um maior rigor com o Brasil.

Com superávit comercial entre a Argentina e o país asiático, em razão das compras chinesas de soja em 2011, da ordem de US$ 5 bilhões, o governo chinês pressiona a Argentina para agilizar o processo de licença dos seus produtos, cuja liberação demora mais que no caso brasileiro: as encomendas de calçados de origem no Extremo Oriente só são liberados depois de uma espera média de seis meses.

Nas empresas, o quadro é de apreensão. A Piccadilly tem 200 mil pares estocados em uma de suas fábricas à espera de licença entre 80 e quase 110 dias, revela a diretora de exportação, Micheline Grings Twigger. O volume corresponde a 25% da previsão de embarques para a Argentina para todo o ano. O país é o principal mercado externo da empresa e deveria absorver 10% da produção.

A Bibi, fabricante de calçados infantis, tem 32 mil pares armazenados no porto seco de Uruguaiana, na fronteira com Paso de Los Libres, que esperam de 90 a 120 dias pela autorização para entrar na Argentina, informa o gerente administrativo e financeiro, Rosnei Alfredo da Silva. De acordo com ele, o país vizinho responde normalmente por 25% das exportações da empresa.

Para o diretor de mercados internacionais da West Coast, Eduardo Smaniotto, o atraso na liberação das importações pelos argentinos já virou "padrão". De acordo com ele, a empresa teve até "boas surpresas" neste mês com a concessão de algumas autorizações, mas mesmo assim 20 mil pares aguardam pelas licenças há mais de 80 dias. A Argentina absorve quase dois terços das exportações da West Coast, que representam 15% da produção total, estimada em 3 milhões de pares em 2011.

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