Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 20/09/2011
Novo IPI só protegerá o emprego se montadoras desenvolverem carros econômicos e menos poluentes
A barreira protecionista erguida pelo governo contra a importação de veículos foi tomada sem o consenso dos ministros, expôs a face voluntariosa da presidente Dilma Rousseff, que mandou apressar tal decisão, e beneficiou as montadoras instaladas no país, todas elas estrangeiras, mais do que esperavam em troca de poucas condições.
Certo é que os prejuízos excedem os benefícios, apresentados pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, responsável pela medida levada à aprovação da presidente, como de proteção dos empregos ameaçados pelas importações. Estarão de qualquer forma se as montadoras aqui instaladas pararem de investir em motores mais econômicos e menos poluentes e em modelos iguais aos que rodam em suas matrizes.
Por que o farão, se é o próprio governo que acorreu em blindar os seus feudos contra a entrada de novos concorrentes, além de forçar a continuidade de uma globalização de mercado que só as atende?
O país virou centro de produção de carros pequenos e médios, com reduzida aceitação externa, portanto, baixo potencial exportador, enquanto as versões superiores, com margem de lucro maior, elas importam das matrizes e de filiais com custo de produção menor.
Sem a urgência imposta pelos rivais da China e Coreia do Sul, os new kids on the block para o restrito clube da Anfavea, associação das montadoras com filiais no Brasil, é incerto que elas venham a tomar essas decisões com a pressa ditada pela ameaça de perda de fatias de mercado. Um lobista não teria obtido melhor resultado.
Bastar checar os números. Dos carros importados emplacados no 1º semestre, 76,2% entraram pelas montadoras ligadas à Anfavea, boa parte, mas não só, originária do Mercosul, sobretudo da Argentina, e do México, regiões com as quais o país negociou acordos de livre comércio. O resto, 23,8%, veio de empresas sem linha de montagem nessa área de abrangência, sendo o grosso da Coreia e da China. Mas com um detalhe: de fabricantes, como a coreana Hyundai e a chinesa JAC, com projetos anunciados de fabricação no Brasil.
Estranho é que, ao anunciar o aumento de 30 pontos percentuais do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre os veículos de qualquer procedência, mas que, na prática vai barrar as importações da China e Coreia, não se disse que havia negociações para cortar, e não aumentar, a tributação. Alguém pagou mico nessa história.
O subsídio desvirtuado
A política industrial, com o nome Brasil Maior, previa a abertura de centros de desenvolvimento automotivo que fizessem do país uma plataforma de novos projetos, até de motores elétricos, coqueluche nos salões internacionais em que as montadoras exibem a sua visão de futuro, e não apenas um estuário do que as matrizes determinam.
Seria esse o papel do IPI: incentivar a inovação, diretriz que a Fazenda acredita estar mantida ao alinhar à exigência de um mínimo de 65% de taxa de nacionalização, outro indicador a ser considerado para que não incida o IPI majorado: a aplicação de 0,5% da receita bruta das montadoras em pesquisas. O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, negociava com as montadoras um leque maior de ações antes que a Fazenda mudasse o curso. E a Anfavea aplaudiu.
Que desenvolvimento?
Não havia uma emergência, só um suspeito acúmulo de estoques nos pátios das fábricas, acompanhado de férias coletivas para baixá-los. Esquisito: em linhas de montagens padronizadas e just in time a produção é regulada como o fluxo de água na torneira. Como num roteiro ensaiado, sindicalistas começaram a pedir menos IPI para o consumidor, temendo pelos empregos dos metalúrgicos, a origem sindical do ex-presidente Lula. No fim, o que se fez traz o DNA do velho desenvolvimentismo, pautado pelo viés anti-importação e subsídios aos fabricantes locais. O "novo" desenvolvimentismo, que está no foco do BNDES e de Pimentel, concebe os subsídios como instrumento para atacar as causas do atraso tecnológico.
EUA negociaram melhor
A questão a analisar é o que esperam o governo e as montadoras da política industrial. Se for a economia de combustíveis e a redução de CO2, conforme programa em curso nos EUA, o subsídio é o último dado da equação. Antes, as empresas têm de aceitar metas anuais de desempenho, escrutínio transparente e contemplar o desenvolvimento de motores híbridos e elétricos no Brasil. É assim nos EUA, onde as montadoras relevantes no mundo aceitaram a meta de consumo de combustíveis de 23,13 quilômetros/litro até 2025. Sem um programa regulatório desse vulto, só há aumento de imposto, protecionismo e reserva de mercado, o que deixa muito mal na foto o governo Dilma.
Eletrônica foi ignorada
O governo pode alegar que impôs um rol de 11 condições das quais as montadoras terão de atender ao menos seis para se livrarem do IPI aumentado de 7% a 25%, conforme a potência do motor, para 37% a 55%. Mas, segundo Miguel Jorge, ex-ministro do Desenvolvimento, hoje consumo e nível de emissões importam mais que cilindradas.
A fabricação no país da chamada eletrônica embarcada também é tão ou mais relevante que a nacionalização de peças — conceito de uma época em que a tecnologia da comunicação nem sequer existia. Hoje, segundo estudo do Federal Reserve de Chicago, eletrônicos compõem quase 40% do conteúdo médio dos automóveis, e continuam crescendo. Um pouco de humildade ao governo melhoraria as suas decisões.
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