Bye-bye, asiáticos

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 17/09/2011

Pancada do IPI barra as importações de montadoras sem fábricas no Mercosul e agrada as demais

O aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos carros importados e dos nacionais que não tiverem pelo menos 65% de componentes fabricados no Mercosul não vai ficar barato. Aos poucos, o governo Dilma Rousseff vai impondo um viés dirigista à política econômica que o presidente Lula jamais considerou — e é possível que alguns estranhem, mas a indústria comemorou.

Não é para se enganar pelas aparências. A decisão foi do agrado das montadoras instaladas no país. Elas, embora também importem veículos, se ressentiam da concorrência agressiva das rivais da Coreia do Sul e estavam assustadas com a chegada de um desafiante que pode não ter ainda o melhor produto, mas tem custo imbatível e disputa para vencer: as indústrias chinesas. Esse é um lado.

O outro, o lado do governo, é o espaço que começava a ser ocupado pelas importações de veículos. Em 2010 e acentuando-se nos últimos 12 meses, os veículos de fora passaram a responder pelo grosso do crescimento do mercado. Das 150 mil unidades vendidas a mais em 12 meses até o mês de agosto, comparadas às vendas em igual período até agosto de 2010, 70% foram atendidas por marcas importadas.

"Nós corremos o risco de exportarmos emprego para outros países", disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao justificar as novas alíquotas do IPI. Os custos vão ser logo sentidos e devem travar o mercado de carros importados, mas, basicamente, das montadoras sem fábricas no país. Esse é o diferencial não tão sutil da novidade.

Se a taxa de nacionalização ficar abaixo do piso de 65% para um total de 80% dos carros montados no país por empresa, o novo IPI será aplicado, e a alta de preço, segundo o Ministério da Fazenda, chegará a 28% para os modelos flex e acima de 26% para versões a gasolina e para os importados, esses sem perdão. Importou, pagou.

O aumento da alíquota do IPI foi de 30 pontos de percentagem para todas as faixas de potência dos motores, incluindo as caminhonetes e caminhões, com vigência imediata e validade até o fim de 2012. A nova alíquota não será aplicada se forem atendidas seis entre 11 condições, de investimentos em pesquisa ao piso de nacionalização. Mantega estima que 12 a 15 montadoras consigam a habilitação, que será atestada em até 30 dias pelo Ministério do Desenvolvimento.

Coreia e China na mira
Em suma: as montadoras coreanas e chinesas, que não têm fábricas no país, é que serão as mais atingidas. Das alemãs, a Mercedes tem fábrica de caminhões. A BMW estuda instalar uma linha de montagem. E a Audi é um grupo controlado pela Volks. Todas as outras grandes montadoras dos EUA, Japão e Europa têm fabricação própria no país.

Agora atente para a definição. Mercado nacional é o Mercosul, no qual a circulação dos produtos das montadoras e dos fabricantes de peças e componentes com fábricas na região é desonerada, desde que atendam requisitos de nacionalização. Isto é, não vale para carros que chegam 100% desmontados, chamados CKD. A regra é extensiva ao México, com o qual o Mercosul tem um acordo automotivo.

Exceção para importar
Outra nuança está no fato de que o piso do índice de 65% de nacionalização se aplica ao total de 80% dos carros montados no Brasil. Montadoras instaladas no Mercosul, portanto, continuarão com a margem de 20% para importar sem pagar a tarifa de importação de 35% e habilitando-se ao IPI de nacional.

A folga para importações desoneradas é importante para a formação do custo, que é muito maior no país do que no resto do mundo. O alto custo de produção local, incluídos salários e tributos, apreciação cambial, a globalização e a capacidade ociosa do setor automotivo no mundo devido à crise fizeram da importação de peças e partes um negócio inerente, talvez definitivo, aos elos da cadeia produtiva.

Os atropelados pelo IPI
Isso parece que foi preservado do IPI salgado. As montadoras com assento na Anfavea, a associação do setor, a rigor não têm do que se queixar, já que não lhes será difícil atender os requisitos, em especial o de nacionalização, para escapar do novo IPI. Como tem sido comum há anos, o que elas querem o governo de plantão acata.

O oposto não costuma acontecer. A política industrial com o selo de Dilma previa corte do IPI, se elas abrissem centros de pesquisa no Brasil, com foco na redução do consumo de combustíveis e CO2. Elas resistiram. Como meio de pressão, o governo cogitou aumentar o IPI. Aconteceu o quê? Os estoques começaram a aumentar, deixando os sindicatos de metalúrgicos, a base de Lula, inquietos. Culpa do quê? Dos importados, alegaram. O resultado está contado acima.

Álibi para uma guerra?
Em princípio, o governo usou os recursos permitidos de proteção comercial. Por isso, o IPI engordado tem data de validade. Poderá ser alegado que nem o país sofre uma crise cambial nem o setor automotivo sangra pela concorrência externa. Mas parece baixo o risco de retaliação e de queixa à Organização Mundial do Comércio (OMC).

O maior dos riscos é que o Brasil seja o álibi para que governos assumidamente protecionistas, como a China hoje e o Japão ontem, deflagrem uma guerra comercial, levando os EUA, que parecem atrás de um motivo, como diria Tim Maia, a se fecharem, e a Europa a se trancar. Esquisito é que o país que mais se bateu no G-20 e na OMC contra o protecionismo o adote ao primeiro sinal de pânico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui o seu comentário, muito obrigado pela sua visita!