Acordo comercial Peru-China gera atrito com Brasil

VALOR ECONÔMICO
Marcos de Moura e Souza, de São Paulo

03/03/2010

O tratado de livre comércio entre Peru e China, que entrou em vigor na segunda-feira, deverá pôr em desvantagem alguns produtos brasileiros exportados para o país andino e levar o Brasil a cobrar compensações tarifárias do governo peruano.

O Peru já tem sido pressionado pelo governo brasileiro a abrir negociações sobre esse tipo de compensação por conta de um TLC com os EUA, que começou a valer no ano passado. O governo do presidente Alan García, no entanto, tem se esquivado das discussões.

No caso do acordo com a China, eletrodomésticos, carros e máquinas feitas no Brasil são alguns dos itens que concorrerão com similares chineses que entrarão no mercado peruano com tarifa zero.

Em 2008, as exportações brasileiras para o Peru foram de US$ 2,29 bilhões. Em 2009, com a crise, ficaram em US$ 1,48 bilhão.

Esse é o segundo TLC da China com um país da América Latina. O primeiro foi com o Chile.

Segundo Antonio Castillo, conselheiro econômico comercial do Peru no Brasil e ex-vice-ministro da Indústria, o acordo com a China não valerá para os setores de confecções, calçados e metal-mecânica, de forma a proteger indústrias locais. "A nossa expectativa é de um aumento no intercâmbio comercial com a China para US$ 15 bilhões em cinco ou sete anos", disse ontem Castillo, que participou das negociações com Pequim. Em 2009, esse intercâmbio foi de US$ 7 bilhões. No mesmo ano, o fluxo comercial do Peru com o Brasil foi de US$ 1,97 bilhão. O comércio deve ganhar novo impulso a partir do fim deste ano, com a conclusão prevista da rodovia interoceânica.

O Peru exporta para a China principalmente minérios (cobre, prata, ferro, zinco entre outros) e farinha de peixe, e importa principalmente confecções, calçados, máquinas e auto-peças.

Além de facilitar o comércio bilateral, o novo tratado poderá ajudar García a vender seu país como um base de exportação para indústrias estrangeiras que desejam entrar no mercado chinês com mais facilidade. É essa imagem que até agora vinha tentando projetar, especialmente junto a empresários latino-americanos que querem acessar o mercado americano.

Mas, para o Itamaraty, a abertura tarifária do vizinho Peru a países de fora da região é algo ainda mal resolvido. A razão é que Lima deve se sentar para discutir tarifas com países do Mercosul sempre que fechar um acordo de livre comércio com países que não integrem a Associação Latino-americana de Integração (Aladi).

Era isso que deveria ter ocorrido após o TLC Peru-EUA. Mas, segundo o secretário César Bonamigo, do setor comercial da Embaixada do Brasil em Lima, "o Peru tem evita marcar uma reunião para discutir compensações". O texto do acordo de complementação econômico número 58 (ACE 58), que trata da obrigação de negociações desse tipo, não prevê punições caso o país alvo de queixa adie indefinidamente as negociações. Ainda assim, segundo Bonamigo, o novo acordo do Peru com a China "dá margem ao Brasil e ao Mercosul para pedir novas compensações".

O mesmo ACE 58 prevê uma redução escalonada das tarifas no Peru e no Mercosul. Mas o TLC com a China deverá derrubar as tarifas entre os dois num ritmo mais veloz. Um funcionário do governo peruano, que pediu à reportagem para não ser identificado, disse que Lima espera que o Brasil pressione o Peru por causa do TLC com a China assim como tem feito em relação ao acordo com os EUA.

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