China espreme estrangeiros por fatia do mercado global

Shai Oster, Norihiko Shirouzu

e Paul Glader

The Wall Street Journal, de Pequim

Várias empresas estrangeiras se associaram a grupos chineses nos últimos anos para ganhar acesso ao gigantesco mercado chinês. Agora, algumas das maiores empresas do mundo resolveram dar um segundo passo arriscado mas potencialmente recompensador - incorporar parte das suas operações globais em parcerias com empresas chinesas para fazer negócios ao redor do mundo.

A General Eletric Co. está finalizando planos para uma joint venture meio a meio com uma fabricante de jatos militares chinesa para produzir aviônicos, o cérebro eletrônico das aeronaves. O acordo com a Corporação da Indústria da Aviação da China, ou Avic, dará à GE acesso a um projeto do governo chinês para desafiar a Boeing Co. e a Airbus no mercado de aviação civil.

A General Motors Co. estabeleceu uma joint venture este ano com a SAIC Motor Corp., sua antiga parceira na China, para produzir e vender microvans da marca Wuling na Índia e mais tarde em outros países asiáticos e outros mercados emergentes.

Os dois acordos mostram o crescimento das ambições internacionais do empresariado chinês, assim como a sua influência crescente sobre parceiros estrangeiros. Para fechar o acordo, o presidente executivo da GE, Jeffrey Immelt, fez uma concessão extraordinária. Concordou em pôr na nova sociedade todas as operações mundiais de aviônicos não-militares da GE. Em seu acordo, a GM contribuiu com tecnologia, fábricas na Índia e o uso da marca Chevrolet naquele mercado.

Há várias razões para os parceiros estrangeiros fecharem acordos globais com a China que teriam sido impensáveis há alguns anos. As grandes companhias chinesas, tendo o governo na retaguarda, dispõem de enormes recursos financeiros e crescente influência política, tornando-se parceiras atraentes fora da China. Além disso, o mercado chinês se tornou tão importante para o sucesso das multinacionais que o governo do país pode exigir melhores condições.

Mas tais acordos também têm os seus riscos. Várias joint ventures feitas no passado na China fracassaram porque os parceiros chineses, depois de conseguirem acesso à tecnologia e ao know-how das empresas dos países ricos, tornaram-se poderosos novos rivais dos seus parceiros.

"Os parceiros estrangeiros vêem que, algumas vezes, terão que sacrificar ou dividir os benefícios do mercado global com o parceiro chinês", diz Raymond Tsang, sócio baseado na China da consultoria Bain & Co. "Algumas das (multinacionais) estão reclamando. Mas, diante das mudanças nas condições do mercado, se você não fizer isso seus concorrentes o farão."

As grandes petrolíferas também estão atrás de acordos internacionais com companhias chinesas. A China se tornou o maior consumidor mundial de energia, o que tornou o acesso a seu mercado vital para as multinacionais.

A estatal Corporação Nacional de Petróleo da China, ou CNPC, foi uma das primeiras petrolíferas estrangeiras a assinar um grande contrato no Iraque. A BP PLC se associou a ela em 2009 em troca de um investimento de US$ 15 bilhões para aumentar a produção no enorme campo de Rumaila. Em meados deste ano, a Royal Dutch Shell PLC se uniu à PetroChina Co., uma subsidiária da CNPC, numa aquisição de ativos no valor de US$ 3,15 bilhões da australiana Arrow Energy Ltd.

A China tem aumentado sua influência em algumas partes do mundo em desenvolvimento ricas em recursos onde as empresas americanas não têm muita presença, em parte por investir pesadamente em projetos de infraestrutura, e isso pode ajudar em algumas operações em lugares como a Venezuela e Mianmar, países com os quais a China tem boas relações.

Na área financeira, os bancos estrangeiros há muito cobiçam acesso ao mercado de capitais chinês, de rápido crescimento. A China permitiu, com restrições, que algumas empresas entrassem no mercado nos últimos anos por meio de joint ventures, com participação limitada a 33%.

O Crédit Agricole SA já está envolvido em uma joint venture desse tipo por meio do seu braço asiático CLSA Asia-Pacific Markets, mas é um operador pequeno na China. Em maio, seu banco de investimentos anunciou um acordo preliminar com a estatal Citic Securities Co. para formar uma joint venture fora da China. O banco francês espera que, ao ajudar a Citic a realizar suas ambições internacionais, possa expandir seus negócios na China. Mas as conversas andam mais devagar do que se esperava.

Algumas joint ventures na China tropeçaram por causa de desentendimentos com parceiros locais ou porque as parcerias permitiram que as empresas chinesas aprendessem o suficiente para se tornarem concorrentes dos seus parceiros dos países ricos.

A Kawasaki Heavy Industries Ltd. e a Siemens AG, por exemplo, trabalharam com parceiros chineses para ajudar a construir a rede de trens de alta velocidade da China. Agora as empresas chinesas disputam contratos internacionais com elas - usando produtos que foram pelo menos em parte baseados na tecnologia das companhias estrangeiras.

O acordo de aviônicos da GE com a Avic também é vulnerável, diz Jim Wasson, presidente da Growth Strategies International LLC, uma consultoria do setor aeroespacial e de defesa e ex-executivo da GE Aviation. O temor é que, "uma vez que a Avic conheça o suficiente sobre como fazer isso, eles chutem [a GE] e sigam por conta própria", diz ele.

Lorraine Bolsinger, presidente executiva da GE Aviation Systems, reconhece que houve preocupação na empresa em relação à proteção da tecnologia. "Foi bastante controverso", diz ela sobre o acordo proposto.

A GE tem esperanças tão grandes em relação à China que Immelt a considerou "nosso segundo mercado doméstico". Há dois anos, Immelt disse que as receitas na China dobrariam para US$ 10 bilhões até 2010. Mas no ano passado alcançaram apenas US$ 5,3 bilhões.

A GE considera que trabalhar com a Avic é uma chance para estimular seu negócio com aviônicos, que está atrás dos das rivais Honeywell International Inc. e Rockwell Collins Inc. A sociedade proposta, que terá sede em Xangai, foi escolhida para fornecer ao jato C919 planejado pela China, que tem o potencial de pegar uma boa fatia do mercado chinês de aviação civil. A Boeing estima que esse mercado valerá mais de US$ 400 bilhões nos próximos 20 anos, atrás apenas dos EUA.

Nas negociações, a GE quer que a Avic equipare com um investimento em dinheiro o valor da tecnologia que ela, GE, vai colocar, segundo pessoas da empresa americana. A ideia era que as negociações fossem concluídas em meados de 2010, mas agora as partes esperam finalizá-las no começo de 2011.

Para a GM, particularmente, há muita coisa em jogo: a China se tornou o maior mercado mercado de carros do mundo.

Em 1997, a GM decidiu colocar mais de US$ 1 bilhão numa parceria 50-50 com a SAIC para fabricar Buicks. Na época, parecia um risco porque as vendas de carros ainda tinham que decolar na China. Este ano, as unidades da GM na China estão perto de vender 2,27 milhões de veículos no país, em comparação com 2,18 milhões nos EUA, segundo a firma de pesquisa IHS Automotive.

Muito do recente crescimento da GM na China se deu por meio de uma segunda joint venture fechada em 2002 com a SAIC e outra empresa chinesa. A SAIC GM Wuling Automobile Co. fabrica microvans que saem por US$ 4.500 e são bem populares em pequenas cidades chinesas. Em 2009, a Wuling foi a primeira marca na China a vender 1 milhão de carros num ano. Este ano, deve representar cerca de um sexto das vendas mundiais da GM.

A joint venture na Índia, que começou a operar em fevereiro, é parte do esforço da GM com a SAIC para repetir o sucesso chinês em outros mercados. Ela produzirá carros baseados nos seus Wulings chineses, mas irá vendê-los sob a marca Chevrolet. A GM entrou com a marca, suas fábricas e rede de concessionárias na Índia, e a SAIC colocou entre US$ 300 milhões e US$ 350 milhões, disse um alto executivo da GM quando o acordo foi anunciado.
"Achamos que o modelo de negócios que temos na China com a SAIC e as linhas de produtos que temos na
China estão maduros para exportação a outras partes do mundo", diz Kevin Wale, diretor das operações chinesas da GM.

A GM e a SAIC já fizeram incursões menos ambiciosas no exterior. Elas exportam o Chevy Sail fabricado na China para o Chile e o Peru, e estão desenvolvendo em parceria novos modelos para serem vendidos mundialmente, como o Buick LaCrosse.

Um risco é que a joint venture deixe a SAIC mais bem posicionada para competir no exterior contra a própria GM.

Em 2006, a SAIC lançou sua marca própria na China, a Roewe, que agora compete com os Buicks que a SAIC fabrica com a GM.

No ano passado, a GM concordou em transferir 1% de sua participação na Shanghai GM, sua maior joint venture chinesa, para a SAIC, dando ao parceiro 51% e controle efetivo. A GM informou à epoca que isso facilitaria o acesso a crédito dos bancos chineses e pavimentaria o caminho para mais participação na Wuling.

Em novembro, a GM informou que as duas empresas analisam a possibilidade de vender os carros da marca MG da SAIC por meio das concessionárias GM no mundo. Também em novembro, a SAIC pagou US$ 500 milhões por 1% de participação na GM em sua abertura de capital.