Recuperação interrompida

Os líderes do G-7 vêm defendendo medidas de austeridade.

Desde que a recessão em 2008-2009 passou, em meados de 2009 - e especialmente após a exposição dos enormes problemas de endividamento público na Grécia, na Irlanda e no restante da Europa - a maioria dos governos do G-7 inverteram suas posições antirrecessivas anteriores. Com a importante exceção dos EUA, os líderes do G-7 vêm pressionando desde meados de 2010 por consolidação orçamentária urgente, na prática revertendo seus esforços de recuperação anteriores, e exortando medidas de austeridade para equilibrar seus orçamentos, apesar de uma retomada econômica frágil, desigual e certamente incerta.

Consolidação orçamentária baseada em austeridade provavelmente não dará certo, porque a melhor maneira de assegurar orçamentos públicos sustentáveis é ter um crescimento econômico forte. Na verdade, a lógica de consolidação orçamentária exige que os países que recuperarem suas economias revertam progressivamente seus esforços pela recuperação e aqueles que não o tenham feito prossigam com esses esforços.

As economias mais desenvolvidas praticamente abandonaram os esforços de recuperação confiando no pressuposto de que um crescimento mais forte da economia asiática fora do Japão poderá modificar para melhor a atual trajetória da economia mundial. No entanto, é improvável que até mesmo um persistente forte desempenho dos mercados emergentes asiáticos seja suficiente para assegurar uma forte recuperação mundial. Na verdade, o provável desaquecimento da economias do G-7 também colocará em risco o crescimento nos mercados emergentes. Essa perspectiva tem sido ignorada, apesar dos avisos do FMI, da ONU e de outras instituições.

O mais preocupante é que Basileia 3 mantém os vieses contra empréstimos bancários a emergentes para financiamento do comércio internacional. Como são eles que devem apoiar, se não puxar, a recuperação mundial, essa é uma decisão incrivelmente míope.

Além disso, o abandono dos esforços de recuperação e a adoção de consolidação orçamentária e, mais recentemente, o reequilíbrio das contas correntes prejudicaram os esforços coordenados de recuperação iniciais liderados pelo G-20. Em vez disso, acusações mútuas tornaram-se mais difundidas em 2010, impedindo a coordenação e cooperação em política econômico-financeira, principais fontes do êxito do G-20.

Na prática, o resultado das eleições americanas em meio de mandato presidencial, no início de novembro, negou ao governo Obama a opção de expansão fiscal. Em vez disso, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) recorreu a uma segunda rodada de "flexibilização quantitativa" (QE2, na sigla em inglês). Na prática, essa iniciativa não cria dinheiro novo. Isso somente aconteceria se os bancos concedessem empréstimos, algo que não têm feito, até agora. Em vez disso, a medida resultará em superávit de reservas nos balanços dos bancos. Críticos sugerem que o verdadeiro objetivo de um QE2 é apenas criar expectativas inflacionárias e, assim, incentivar a compra de ativos de maior risco, devido à redução das taxas dos títulos do Tesouro com vencimento em longo prazo (5-7 anos e 7-10 anos).

Muitos observadores consideram o QE2 um instrumento desprovido de precisão e acreditam ser improvável que alcance seus objetivos, embora possa enfraquecer o dólar, o que, na opinião de muitos analistas corrigirá os recorrentes déficits comerciais americanos. Críticos, porém, argumentam que o QE2 poderá apenas incentivar mais investidores privados a manter dívida de mercados emergentes em suas carteiras, o que produziria um impacto sobre a moeda, devido à mudança de seu valor, e não à variação na quantidade de dinheiro. Com efeito, após uma queda inicial, o dólar começou a se fortalecer novamente, posteriormente reforçado pelo retorno de risco associado ao euro.

Após obter limitados progressos em incentivar uma valorização mais rápida do yuan, os EUA tentaram limitar os superávits em conta corrente, sendo a China o principal alvo desses esforços. Compreensivelmente, a China tem resistido, provavelmente recordando a associação da apreciação do iene após 1985 com o fim do "boom" japonês, no pós-guerra, que durou quatro décadas.

Há bastante tempo, a ONU e outras instituições chamaram a atenção para os desequilíbrios no mundo. No entanto, não foram esses desequilíbrios que, sozinhos, desencadearam a crise, e reduzi-los certamente não é a prioridade mais urgente, em vista das perspectivas de acentuada e prolongada estagnação na maior parte do G-7 e de suas prováveis consequências negativas para a economia mundial.

Os EUA desfrutam um papel privilegiado no sistema monetário internacional como emissor daquela que é, de fato, a moeda de reserva mundial. Por isso, o déficit em conta corrente dos EUA não pode ser atacado sem enfrentar problemas interrelacionados: primeiro, a inexistência de um acordo adequado envolvendo a moeda de reserva internacional, e, em segundo lugar, a percepção da necessidade de economias de mercado emergentes, com contas de capitais liberalizadas, de acumular reservas para proteção contra os fluxos de capital voláteis. Essas questões só podem ser abordadas mediante uma reforma sistêmica em médio prazo, ao passo que o esforço de recuperação deverá continuar a ser uma prioridade mundial de curto prazo.

Por outro lado, um acordo envolvendo as normas bancárias Basileia 3 em apenas dois anos é louvável, especialmente em vista de Basiléia 2 ter levado uma década para ser negociada. Entretanto, Basileia 3 apenas indiretamente aborda o sistema bancário paralelo, apesar de seu papel crucial no desencadeamento da crise e das ameaças futuras que ela representa para a estabilidade financeira.

O mais preocupante é que Basileia 3 mantém, se não intensifica, vieses, nas regras de Basileia 2, contra empréstimos bancários a países em desenvolvimento para financiamento do comércio internacional. Em vista de os países do G-7 estarem em dificuldades e da expectativa de que os mercados emergentes devem apoiar, se não puxar, a recuperação mundial, essa é uma decisão incrivelmente míope.

Jomo Kwame Sundaram é United Nations Assistant Secretary-General for Economic Development. Copyright: Project Syndicate, 2010.

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Fonte: Valor Econômico