Empresas punidas por formação de cartel terão de indenizar consumidores

A Justiça de Minas Gerais concedeu a primeira decisão que manda empresas condenadas por cartel ressarcir financeiramente consumidores que foram prejudicados por causa de preços mais altos.

A decisão foi tomada pela juíza Iandara Nogueira, da 28ª Vara Cível de Belo Horizonte, e beneficia 260 hospitais públicos e privados de Minas Gerais que teriam pago mais caro pelos gases industriais por causa de um cartel no setor que foi condenado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O ressarcimento deve ocorrer em duas etapas.

Primeiro, a juíza determinou que as empresas envolvidas no cartel parem de cobrar sobrepreço (diferença entre o preço normal do mercado e o valor que foi cobrado a mais por conta do cartel). O Cade verificou que o sobrepreço variou entre 25% e 49% do que foi cobrado pelas empresas aos consumidores de gases industriais.

Em seguida, a juíza ordenou a realização de uma perícia para verificar quanto foi pago a mais pelos hospitais devido ao cartel, desde 1998. Com base na perícia, as empresas terão de ressarcir cada um dos 260 hospitais que entraram com a ação.

O "cartel dos gases" foi condenado pelo Cade, em setembro, com multas recordes que ultrapassaram R$ 2,3 bilhões. Mas o dinheiro das multas não chega diretamente aos consumidores prejudicados, como os hospitais de Minas Gerais. Ele é revertido ao Conselho do Fundo de Direitos Difusos, órgão do Ministério da Justiça que destina verbas a projetos de defesa do consumidor, de minorias e do patrimônio cultural brasileiro.

"As decisões do Cade que condenam os cartéis são fundamentais, mas as multas vão para os cofres públicos, e não para os consumidores", disse o advogado Bruno Lanna Peixoto, que ingressou com a ação em favor da Associação de Hospitais de Minas Gerais. "Obviamente, as decisões do Cade não levam a um ressarcimento imediato às pessoas que foram prejudicadas pelo cartel. A elas resta entrar com ações indenizatórias na Justiça."

Peixoto conseguiu que a Justiça concedesse uma liminar para impedir uma empresa do setor de vergalhões de vender a preços não discriminatórios. Mas essa decisão foi dada em outro caso, que ficou conhecido como "cartel do aço", e envolveu apenas uma empresa.

Já a liminar dada para os hospitais é uma ação coletiva. Esse tipo de ação é muito comum nos Estados Unidos, onde consumidores prejudicados por cartel sempre recorrem à Justiça para obter ressarcimento pelos danos que sofreram. No Brasil, a primeira ação coletiva foi justamente a dos hospitais de Minas Gerais. Além dos hospitais, a Sabesp também pretende cobrar prejuízos contra as empresas que foram condenadas pelo Cade no "cartel dos gases".

As empresas negaram a prática de cartel e recorreram à Justiça contra as multas impostas pelo Cade. As multas foram as seguintes: R$ 1,7 bilhão à White Martins, que foi apontada pelo órgão antitruste como a líder do cartel; R$ 197 milhões à Air Liquide; R$ 188 milhões contra a Linde Gases; R$ 179 milhões à Air Products; e R$ 6,7 milhões à Indústria Brasileira de Gases (IBG), que, segundo o Cade, ingressou posteriormente no cartel e denunciou a prática às autoridades. Além das empresas, executivos também foram punidos em multas que variam entre R$ 67 mil e R$ 3,5 milhões.

Procurada, a White Martins informou que a questão encontra-se sub judice e que vai recorrer da decisão preliminar proferida pela juíza por discordar do seu conteúdo. "A empresa reafirma seu compromisso com a livre concorrência e com o Brasil, onde vem investindo há quase cem anos no desenvolvimento de novas tecnologias, talentos profissionais e projetos sociais que beneficiam mais de 200 mil pessoas por ano", disse.

A Linde Gases informou que apresentou recurso cabível e seguirá com sua defesa em juízo. A Air Products optou por não se pronunciar enquanto o processo estiver em tramitação. A Air Liquide e a IBG foram procuradas, mas não se pronunciaram até o fechamento desta edição. Ambas contestam a decisão do Cade e sustentam que não praticaram o crime de cartel.