Enrolando-se mais

Coluna Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 30/03/2011

Distorções do IOF, um imposto regulatório, aprofundam contradições do modelo econômico e social.

O dinheiro de tributo regulatório, como o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), é sempre providencial, como a rifa premiada ou a herança inesperada para alguém com a corda no pescoço.

Acionado em situações que requeiram a intervenção regulatória do governo, como se fez no ano passado contra a enxurrada de dólares para aplicação na bolsa e em renda fixa, o IOF também tem ajudado a tirar os governantes do sufoco, como quando o Senado, no fim de 2007, acabou com a “provisoriedade permanente” da CPMF.

Ao pôr em cena o IOF no início de 2008 com alíquotas variadas, a menor de 0,38% sobre operações de câmbio, saldo devedor do cheque especial, cartão de crédito e financiamento em geral, não havia o que regular, só recuperar parte do desfalque da receita da CPMF, então estimada em R$ 40 bilhões. Com esse propósito, o IOF foi só um “bico” para a Receita adicionar ao caixa alguns caraminguás.

O que veio como gambiarra de receitas para suprir a falta da CPMF tornou-se uma fonte, digamos, estável de arrecadação — e é sobre essa base de partida que o governo está promovendo ajustes do IOF para tentar frear a entrada de capitais especulativos do exterior.

Ao agir assim, trata o IOF conforme sua definição: um instrumento acionado contra distorções de mercado. Ao desconsiderar que o IOF tornou-se parte importante das receitas orçamentárias desde 2008, extrapola as distorções. Omitidas, aliás, pelo discurso cínico dos que advogam a criação de um sucedâneo da CPMF como fonte vinculada de receitas para a saúde. Ora, se o IOF a substituiu parcialmente, por que a saúde continuaria carente de recursos? Alguém explica?

Os parlamentares que aceitam passivamente o papel de papagaios de argumentos desamparados de fundamento defendem outra CPMF, omitindo uma realidade insofismável: a de que o caixa do Tesouro é único.

A implicação desse fato é pouco percebida. A falta de verbas para saúde significa que o governo, com o aval do Congresso, canalizou receitas para outras áreas. E não será um tributo com arrecadação carimbada a uma rubrica específica o que mudará essa situação.

E a nova onda de reajuste das alíquotas do IOF? Obviamente, tais acréscimos de tributação geram receitas orçamentárias adicionais. A expectativa é que haja a seriedade para que sejam revogadas tão logo cessem os motivos da intervenção do tributo regulatório. Não é o que se fez ao sair de cena a CPMF, quando o certo teria sido a majoração de tributos gerais, preservando a característica do IOF.

A disciplina em falta
Agora, pode ser diferente, até porque a presidente Dilma Rousseff tem manifestado a disposição de promover a reforma tributária, nem que seja fatiada, como ela contempla para reduzir as resistências contra a mudança do status quo, sobretudo entre os governadores.

O IOF agora majorado, nesse cenário, poderá ser revertido adiante — mas isso implica ao governo a disciplina de não contar com essa receita como certa. Contabilmente, teria de ter o mesmo tratamento das receitas não recorrentes, como os dividendos de estatais.

A desculpa do cartão
E qual é o panorama? Não é promissor. O IOF de 0,38% sobre cartão de crédito estabelecido em 2008 e que fora aumentado depois para 2,38%, esta semana subiu para 6,38% sobre as despesas no exterior.

Ao explicar a decisão, o subsecretário de Tributação da Receita, Sandro Serpa, elencou três motivos: prevenir a inadimplência; ajudar a conter a valorização do real; e compensar a perda de arrecadação com a correção de 4,5% da tabela do Imposto de Renda. De todos, a última é a única plausível. A valorização do real é circunstância da entrada excessiva de dólares, não de saída, que é o que ocorre quando o brasileiro paga gastos no exterior com cartão de crédito.

Quanto ao risco de inadimplência, bastaria aplicar o IOF majorado sobre a parcela financiada, jamais sobre o valor total da fatura. Quando paga à vista, equivale a dinheiro sonante — dólar ou euro —, substituído pelo cartão por razões de segurança e comodidade.

A tributação exemplar
Tais argumentos não se confundem com decisões típicas para o IOF, como o aumento do ônus sobre os empréstimos externos. Eles tinham IOF menor (5,38%) que o dos ingressos para aplicação em renda fixa e ações (6%). Tal canal vinha sendo usado para driblar a restrição ao hot money, uma das fontes de apreciação do real, e também pela banca para contornar o funding do crédito ao consumo limitado pelo Banco Central com as tais medidas prudenciais. Operações com prazo de até um ano passam a ser tributadas a 6%. Esse é o papel do IOF, e a receita extra assim gerada, uma mera contingência.

Do prato para a boca
Os percalços da economia, tratados do prato para a boca, tendem a desvirtuar os objetivos da política econômica, com as providências cada vez mais se tornando fontes secundárias de novas distorções.

Já é o caso de uma Consolidação da Legislação Tributária, tipo a CLT na área trabalhista, tamanho o cipoal dos impostos. O capítulo cambial é ainda mais complexo, já que condicionado pela estrutura produtiva da economia, dependente da exportação de commodities, e reflexo do setor público ocupando um terço do PIB e crescendo o dobro da economia como um todo. É a causa primária dos juros que seduzem o hot money global. Tudo isso confunde: a economia não está mal se as ambições de crescimento forem limitadas. Mas isso ninguém quer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui o seu comentário, muito obrigado pela sua visita!