''Governo deveria incentivar serviços''

Autor(es): Lu Aiko Otta - O Estado de S.Paulo
O Estado de S. Paulo - 28/03/2011

Para Carmen, em vez de escolher setores e dar subsídios, o Brasil deveria criar uma "política industrial de serviços"

ENTREVISTA - Carmen Pagés-Serra, pesquisadora do BID

O Brasil corre o risco de olhar para o lado errado, se formular sua nova Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), prometida para abril, preocupado apenas com a indústria e as exportações. A grande fonte de crescimento para o País e para a região está no setor de serviços, afirma a pesquisadora Carmen Pagés-Serra, chefe da Unidade de Mercado de Trabalho do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Ela coordenou as pesquisas que resultaram no livro A Era da Produtividade, publicada pelo banco no ano passado. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado por telefone, de Washington, DC.

Por que a indústria não deve estar no centro de uma política de desenvolvimento produtivo para a América Latina?

Uma estratégia que vá só pela indústria vai deixar por fora um amplíssimo setor da economia, o de serviços, que está muito atrasado. A produtividade relativa nele é muito baixa, mais baixa do que na agricultura e na indústria. Esquecer-se do setor de serviços nessa estratégia significaria deixar mais de 60% da economia por fora - mais de 60% dos empregos, sobretudo. Por isso, uma política dirigida somente à indústria pode ser limitada.

O senso comum diz que a industrialização gera progresso econômico. O desenvolvimento dos serviços teria o mesmo efeito?

A ideia que a indústria é um motor de partida circulou muito na teoria do desenvolvimento, mas não foi provada. Temos pesquisado a literatura nesse aspecto e há muito poucas evidências desses efeitos multiplicadores da indústria. Há duas maneiras de crescer no mundo. Uma é contribuir para o aumento do estoque de conhecimento, na fronteira da tecnologia e produtividade. Em geral, os países que têm renda per capita mais alta só podem crescer assim: expandindo na margem o que já fazem bem. Os países que não têm tal nível de ingressos, por sua vez, têm muito conhecimento e muita tecnologia disponíveis que, se adotados, lhes permitiria elevar o nível de renda ao dos países avançados. Se na América Latina o capital e o trabalho que já existem fossem utilizados com a mesma eficiência dos países que estão na fronteira, como os EUA, a renda per capita deles dobraria. E onde está o potencial, onde existe margem para melhorar? No amplíssimo setor de serviços.

Como fazer para ganhar produtividade nos serviços?

Na América Latina, o setor de serviços está muito fragmentado e pulverizado, concentrado em empresas muito pequenas, que produzem de maneira muito ineficiente. E por que há tantas empresas pequenas? Há muitas razões que incentivam a pequenez. Por exemplo, os impostos. Na América Latina, no Brasil em particular, eles são complexos e segmentados. Para as grandes empresas, tudo é muito complicado. As pequenas têm um regime simplificado. Na América Latina, se pôs bastante energia para simplificar impostos, mas só para as pequenas. O Brasil tem o Simples. Mas o que achamos é que essa dicotomia induz a que haja empresas pequenas que não querem crescer, porque quando elas crescem tudo se complica muitíssimo.

O governo brasileiro vai criar um ministério para as micro e pequenas empresas. É uma boa ideia?

Depende. Uma das coisas que enfatizamos é que há uma visão romântica das pequenas empresas, que o pequeno é belo por si só e tem de ser apoiado. O estudo que fizemos diz que deveríamos buscar como estratégia de crescimento o reconhecimento que as empresas devem começar pequenas, mas se elas permanecem pequenas durante muitos anos é um sinal que a empresa não teve êxito, e portanto não é uma empresa muito produtiva. Para mim, um ministério da pequena empresa deveria fomentar o crescimento das produtivas. O ministério deveria eliminar problemas, mas não só das empresas pequenas. Porque, como enfatizamos no nosso livro, ser um país de pequenas empresas é ser um país de baixa renda.

E quanto à indústria? Há uma angústia muito grande com a concorrência da China e o temor que parte delas desapareça.

A China é muito competitiva em alguns setores industriais. Isso é uma ameaça? Sim, para esses setores em particular, seus empresários e trabalhadores. É uma ameaça à economia em geral? Não, se o país gera outras fontes de emprego e crescimento que absorvam essa mão de obra. Todos os países sofrem constantes transformações e seu aparato produtivo. O êxito de alguns setores implica o fim de outros, porque isso vai mudando os preços relativos. Se não houvesse esse processo, os países não cresceriam.

E o caso do Brasil?

O Brasil tem pouca vantagem em setores intensivos de mão de obra, mas pode ter vantagem em setores mais intensos em recursos naturais e algumas formas de tecnologia. É talvez melhor do que tentar produzir computadores, que a China faz mais barato. Mais que ter medo, é o caso de pensar onde estão as oportunidades, dada a posição do Brasil no mundo.

Na PDP do governo anterior, havia alguns setores que o governo quis desenvolver e para isso criou empresas estatais: uma para circuitos integrados e outra para hemoderivados. Parece-lhe uma boa ideia?

Não sou contrária, por razões ideológicas, que os governos queiram fomentar alguns setores. Houve muitos erros nessas apostas, é certo. Mas também houve acertos, como é o caso do salmão chileno e de segmentos da indústria de aviação no Brasil. O que enfatizamos é que o processo de intervenção do Estado em alguns setores, a velha ideia de escolher vencedores, claramente pode melhorar.

Que recomendações a senhora daria, a partir de seus estudos, para a elaboração de uma PDP?

Já comentamos a maior parte dos pontos: que inclua de maneira proeminente o setor de serviços, que esteja embasada em uma estratégia de aumentar a produtividade das empresas, que busque reduzir os obstáculos ao crescimento de todas, não só as pequenas, e, se houver escolha de setores, que ela seja feita de maneira estratégica e com base de apoios limitados no tempo e não subsídios permanentes.

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