"Não somos mais nem área de livre comércio"

Valor Econômico - 25/03/2011

Domingo Cavallo, ex-ministro da Economia e pai do regime de convertibilidade que estabelecia paridade cambial de um por um entre peso e dólar, sempre foi temido no Brasil pelas medidas de exceção à Tarifa Externa Comum - pilar da união aduaneira do Mercosul - que defendia.

Hoje, o ex-ministro argentino diz que até o presidente do Brasil à época, Fernando Henrique Cardoso, era contra a adoção da TEC. Mas teria sido convencido, principalmente, pelo Itamaraty.

Valor: Olhando 20 anos depois, o Mercosul hoje representa o que o senhor visualizava na época?

Domingo Cavallo: Não é exatamente o que pensávamos. Na época, já havíamos decidido lançar o Plano de Convertibilidade, para atacar a nossa inflação, e achávamos que o Brasil também ia pelo mesmo caminho. Víamos um Mercosul completo, que fosse primeiro uma área de livre comércio e depois uma união aduaneira, mas principalmente com coordenação de política macroeconômica, talvez chegando a um regime monetário comum, inspirado pelo euro, que havia sido lançado pouco antes. Na primeira etapa do Mercosul, de 1991 até o Protocolo de Ouro Preto (1994), avançamos com sucesso. O Itamaraty insistia muito para que implementássemos a Tarifa Externa Comum.

Valor: E o senhor foi contra?

Cavallo: O presidente eleito Fernando Henrique Cardoso concordava comigo que era melhor ficar só numa área de livre comércio e não implantar uma TEC cheia de perfurações. Mas a equipe econômica brasileira, que ia continuar, alegou que isso poderia nos facilitar a coordenação de política macroeconômica, com o lançamento do Plano Real. Por isso decidimos aderir à TEC. Esse foi o período de ouro do Mercosul, do início de 1994 até o fim de 1998. O bloco ganhou prestígio, aumentou o comércio bilateral e falávamos de um acordo 4+1 com os Estados Unidos, para não negociarmos individualmente o nosso acesso à Alca, que havia acabado de ser lançada como proposta.

Valor: O senhor chama esse período de fase de ouro. Quando chega a etapa ruim?

Cavallo: De fevereiro de 1999 em diante, com a desvalorização do real, o Mercosul é um bloco que vive uma crise da qual ainda não se recompôs. Depois veio a desvalorização do peso e, a partir de 2003, uma indigência de política macroeconômica na Argentina que leva a uma inflação de 25% ao ano. O pior é que, mesmo com um real sobrevalorizado, a Argentina impõe uma barreira após a outra. Ou seja, se isso acontece, já não somos nem mesmo uma área de livre comércio.

Valor: O senhor considera que o Mercosul ainda é importante na política externa do Brasil e da Argentina?

Cavallo: O Brasil já se deu conta de que o Mercosul ficou pequeno para desempenhar o seu papel na política externa. O Brasil tem uma importância cada vez maior no mundo, enquanto a Argentina está se isolando. Na década de 90, convinha ao Brasil somar-se à Argentina, que havia conseguido estabilizar sua economia quatro anos antes, tinha um crescimento econômico maior e era respeitada no mundo. Mas a ciclotimia argentina atentou contra o sucesso do bloco. Desde 2002, me parece que ao Brasil é muito mais cômodo apresentar-se como líder da América do Sul. O Mercosul virou um slogan que vai seguir sendo repetido, mas que serve para muito pouca coisa na prática.

Valor: O que faltou, então, ao Mercosul, em sua opinião? Reforçar suas instituições, por exemplo?

Cavallo: Não, o que faltou foram mecanismos para coordenar políticas macroeconômicas. Se tivéssemos implementado algum arcabouço para prevenir fortes desvalorizações ou um sistema de salvaguarda, para o caso de desvalorização em um dos dois países, talvez tivéssemos funcionado melhor. Deveríamos ter investido em estender e aperfeiçoar o livre comércio aos demais países da América do Sul, integrando nossa infraestrutura de energia, transporte e telecomunicações.

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