Não há restrição a que parte das reservas financie no exterior o importador de bens industriais

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 25/03/2011

Além do trivial
Se com US$ 205 bilhões de reservas o país atravessou com relativa calma o baque do crédito devido ao abalo de Wall Street irradiado em setembro de 2008 para o mundo, com US$ 316,3 bilhões a posição atual do Banco Central, e crescendo todos os dias, há um excesso que só se explica pelo temor do governo com a apreciação cambial — a porteira pela qual pode passar a ruína da indústria nacional.

O BC compra dólares servindo-se de reais que o Tesouro obtém com a emissão de títulos de dívida ao custo dos juros básicos da Selic e os aplica normalmente em T-Notes dos EUA. Estes rendem ao redor de 3% a 4% ao ano. Os nossos... Bem, a Selic corrente está em 11,75% ao ano. E no próximo Copom deve ir a 12,25%. A taxa Selic é função das expectativas de inflação. Se essas perderem a referência dada pela Selic, a expectativa vira certeza. Esse é um dado da equação.

O outro é que quanto mais a Selic subir, maior a remuneração dos papéis do Tesouro, e a dívida pública será um imã irresistível aos capitais ociosos que rodam o mundo à procura de barganhas.

Abra-se um parêntese: por isso o BC retirou do baú o controle do crédito ao consumo que o então ministro Antonio Delfim Netto usou e abusou quando mandava na economia nos governos autoritários. Fez isso para carregar menos a mão na Selic, diminuindo a atratividade dos títulos do Tesouro para o hot money. Voltemos à narrativa.

Mas como abrir mão dos juros básicos não é possível, sob risco de a trajetória de inflação ficar desancorada, a Selic real continua atrativa, embora um pouco menos devido às medidas chamadas pelo BC de prudenciais. Além disso, a aposta de que o governo pode amainar a inflação com poucos danos para a tendência de crescimento mantém forte o fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) — o capital das multinacionais saudável para a expansão do produto e emprego.

E aí se vai clareando a fotografia de uma economia no corner. Com o IED acumulado ao hot money, há mais entrada que saída de divisas do país. O BC tem comprado o saldo líquido, e, ao longo dos últimos três anos até 2010, até comprou mais do que entrou, amparando-se no real apreciado como adjunto da Selic no controle da inflação.

Caminhos tortuosos
Isso não dá mais para fazer, pois a concorrência das importações tornou-se insuportável para a indústria de transformação. E mais: para baixar custos, várias cadeias produtivas importam insumos e componentes, sobretudo da China, substituindo fabricação local, o que será difícil reverter, aprofundando a internacionalização das relações de produção. É... Os caminhos da economia são tortuosos.

Enquanto o mundo ia bem e aqui havia capacidade ociosa a ocupar, espaço fiscal para gastar e crédito farto nos bancos públicos, os governantes fizeram a festa, traduzida em popularidade amazônica.

Verruga para enfear
Tudo isso se foi. Ficaram os jabs que jogam a economia às cordas.

Subir com gosto a Selic, por exemplo, também tornou-se uma opção a usar com muita moderação, para que os papéis soberanos brasileiros não fiquem ainda mais atrativos que os de outros países.

A Fazenda até está tentando enfeá-los, implantando a verruga do IOF nos fluxos de hot money para aplicações em ações e renda fixa. O BC tomou medidas que dificultam a banca a tomar dinheiro barato lá fora e interná-lo para usufruir os juros altos e a apreciação conseguida por meio de engenharia financeira nos mercados futuros.

Até agora, nada disso funcionou. E dificilmente funcionará. Não há no país problemas para financistas. Eles olham a situação fiscal e veem que nesses termos ela é solvente. Problema é fazer a economia acelerar o ciclo do investimento produtivo — único meio de o pleno emprego conviver com inflação e deficit externo controlados.

T-Note ou triplo A?
Para resumir: como Tombini admitiu, o BC vai continuar engordando as reservas. Se assim tiver de ser, e sabendo que custam muito, R$ 50 bilhões este ano — saldo entre o custo da dívida para o Tesouro e o melhor que o BC obtém aplicando as reservas —, talvez convenha por a cabeça para pensar outros destinos a um naco da dinheirama.

Uma possibilidade seria o BC apartar, digamos, US$ 50 bilhões das reservas e aplicá-las em recebíveis de financiamento do importador de bens brasileiros pelo BNDES ou pelo futuro Eximbank. Isso feito lá fora, em Londres, por exemplo, ao custo da Libor, evitando veto eventual da Organização Mundial do Comércio (OMC), e sem transitar pelo Brasil, para não haver monetização em reais. E a segurança?

Olhe: financiar uma empresa multinacional nota triplo A deve ser mais seguro, hoje, que os papagaios do puído Tesouro dos EUA.

Pacto com as multis
Bancos centrais definem entre os atributos de reservas a liquidez elevada e segurança. Para evitar polêmica, o BC poderia decidir um piso acima do nível com que enfrentou a crise de 2008 e 2009 — por exemplo, US$ 250 bilhões — como margem de segurança. Só o resto é que poderia financiar lá fora a exportação de cadeias industriais.

O BC feijão com arroz estaria preservado. Não se está inventando a roda: a China faz o mesmo. Mas o Brasil pode fazer mais: 70% do comércio exterior, segundo a OMC, são negócios entre empresas. Tal política poderia atender a exportação de cadeias produtivas em que a base brasileira esteja no alto do arranjo global. Seria um jeito de alavancar a exportação industrial sem esticar demais o câmbio.

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