Valor Econômico - 03/03/2011
Os apelos dos líderes do G-20, que reúne as maiores economias do mundo, para a retomada da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio tornaram-se protocolares petições de princípio. Eles até podem servir de contrapropaganda às iniciativas protecionistas que ganharam força após a grande crise financeira global, mas não devem ser levados ao pé da letra. Não é preciso imaginar que o reinício imediato das negociações traria de volta os impasses que quase destruíram a rodada exatamente no mesmo lugar onde estavam há dois anos atrás, quando foi interrompida. Uma das provas disso é o documento dos objetivos da política comercial dos Estados Unidos para 2011, oficializada ontem pelo United States Trade Representative (USTR), órgão executivo para o comércio ligado diretamente à Presidência americana. Ele aponta para nova ofensiva dos EUA sobre Brasil, Índia e China por maior liberalização de seus mercados e, em vários trechos, indica que os países desenvolvidos já fizeram muitas concessões sem que houvesse esforço correspondente por parte dos grandes países emergentes.
Os argumentos não são novos, nem levam muito longe. Apenas revelam que o governo americano tem pressa em ampliar as exportações e abrir mercados para seus bens e serviços para, entre outras coisas, reduzir um problema social crucial, com evidentes repercussões políticas: o alto desemprego. O texto aponta que o mundo mudou nos dez anos de rodada e que China, Brasil e Índia são hoje as economias que mais crescem no mundo. Na parte introdutória do documento, Ronald Kirk, que ocupa um cargo correspondente a ministro do Comércio Exterior, mostra em números a relação entre vendas externas e a criação de postos de trabalho. Cada US$ 1 bilhão exportados em produtos industriais sustenta 6 mil empregos e a mesma quantia em serviços garante 4,5 mil empregos. As vagas vinculadas ao negócio exportador são mais bem remuneradas, 18% acima da média salarial nacional.
Kirk é explícito nas intenções americanas: "Uma política comercial que sustente melhores empregos americanos deve também perseguir agressivamente novas oportunidades em mercados emergentes de alto crescimento", afirma. Para que esses objetivos sejam cumpridos, China, Brasil e Índia "têm de olhar não apenas seus próprios interesses na hora de decidir por medidas de liberalização comercial, mas também promover o crescimento econômico global".
Enquanto jogam duramente na defesa de subsídios a seus agricultores, os Estados Unidos têm interesses vitais na questão do acesso a mercados de produtos não agrícolas (NAMA), que além de produtos manufaturados abrange mineração, petróleo e indústria da pesca. Segundo o USTR, 95% das exportações americanas são afetadas por esse capítulo da negociação de Doha, mas nele só enfrentaram dissabores, trazidos pelos países do outro G-20 - sigla que na rodada designou o grupo de países emergentes que se alinharam ao Brasil, especialmente nas questões agrícolas.
O documento americano lamenta que Brasil, Índia e China relutem em fazer ofertas de maior abertura de mercado para os bens não agrícolas, mesmo depois de os países desenvolvidos terem em tese aceitado reduzir todas as suas tarifas de importação a menos de 8%, e concordado que os emergentes mantivessem tarifas mais altas e até intocadas para centenas de produtos manufaturados.
Os EUA deixam claro que o sucesso ou fracasso de Doha será medido pela obtenção de compromisso de abertura em todas as áreas, particularmente dos grandes países emergentes. Os países emergentes têm vários motivos para apresentar uma série de demandas insatisfeitas pelos EUA e União Europeia e isso desemboca exatamente na selva de divergências que levou Doha a seu estado de coma atual.
Se durante o auge de um longo período de crescimento até 2008 as negociações cambalearam de impasse em impasse, em um mundo instável após a enorme crise financeira seria pouco sensato contar com a retomada das negociações. Às voltas com pressões de valorização de suas moedas, boa parte dos emergentes, exceto a China, estão perdendo competitividade comercial, enquanto assistem ao barateamento das importações concorrentes da produção doméstica. Eles não voltarão à mesa de discussões para oferecer algo relevante tão cedo.
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