Da novela à vida real

Autor(es): Luciana Monteiro | De São Paulo
Valor Econômico - 01/08/2011

Com história de falso fundo de investimento, "Insensato Coração" traz à tona casos de golpes financeiros que prejudicaram milhares de pessoas e que ficaram sem solução.

Nos últimos dias, o Valor vem recebendo uma série de e-mails de investidores ansiosos por justiça. Eles foram vítimas de golpes financeiros e se identificaram com a situação vivida pelos personagens da novela das nove, "Insensato Coração", em que o vilão Léo (Gabriel Braga Nunes) se une a Cortez (Herson Capri), um banqueiro corrupto, para criar um fundo pretensamente destinado a investir em energia eólica, captar R$ 200 milhões dos clientes e sumir com o dinheiro. "Acho que a novela mexeu com a parte emocional de muita gente, porque tem um caso bem parecido", afirma o administrador de empresas Leopoldo Pereira. Pereira foi uma das vítimas da Dinero Consultoria, que arrecadou cerca de R$ 20 milhões de centenas de investidores para aplicar em projetos e fechou em outubro do ano passado. Os problemas com a Dinero se somam a outros casos de empresas que prometiam ganhos astronômicos aos investidores e quebraram, como Boi Gordo, Gallus, Avestruz Master, Agente BR e Firv.

Somados, esses esquemas provocaram prejuízo em torno de R$ 4 bilhões - R$ 2,5 bilhões só da Boi Gordo, R$ 1 bilhão da Avestruz Master e R$ 200 milhões da Gallus. Nos casos mais recentes - Agente BR e Dinero, em São Paulo, e Firv, em Minas, além de outros menores -, o valor supera R$ 200 milhões. Recentemente, um fundo de recebíveis que prometia ganhos extraordinários causou prejuízos a um grupo de executivos do mercado financeiro paulistano, mostrando que não são só pessoas comuns que estão sujeitas a perdas.

Pereira arca até hoje com as parcelas do empréstimo que precisou fazer para pagar uma cirurgia estética para a irmã, que havia também aplicado recursos na Dinero por recomendação dele. Gradativamente, o administrador chegou a investir R$ 170 mil na consultoria, conseguiu resgatar uma parte, mas, entre resgates e aplicações, está sem ver a cor de R$ 86 mil, sem contar juros. "Só agora estou começando a reorganizar a minha vida", diz.

Um ano após a publicação da primeira reportagem do Valor sobre a Dinero, que oferecia aplicações financeiras de maneira irregular, o que se vê é um rastro de sonhos desfeitos. Frustrados ficaram o desejo da compra de um apartamento, o de uma viagem internacional ou o de um tratamento de saúde para o filho no exterior. Muitos aplicaram todas as suas economias ou mesmo fizeram dívidas para investir e há até casos de pessoas que estariam passando por dificuldades financeiras.

Com um escritório situado na Avenida Paulista, a Dinero Consultoria dizia atuar em diversas áreas como agronegócio, imóveis, commodities, energia renovável, importação e distribuição de produtos. A empresa fechava um contrato de mútuo com os aplicadores - um empréstimo -, para aplicar os recursos em projetos. O dinheiro dos clientes, a exemplo de outros esquemas, era remunerado a uma taxa bastante elevada, equivalente a 100% da variação do CDI mais "bonificação", de acordo com os resultados dos projetos. A aplicação, segundo investidores, nunca dava prejuízo e a rentabilidade sempre ficava acima de 4% ao mês. Em alguns momentos, o investimento teria chegado a render até a 7% quando os juros básicos da economia mal chegavam a 1% ao mês.

O problema é que, conforme mostrou o Valor em julho do ano passado, para realizar esse tipo de operação, a empresa precisaria de autorização como instituição financeira, o que não existia. Meses depois, em setembro, a empresa parou de pagar os resgates e, desde novembro, o sócio majoritário da Dinero, Wagner de Aguiar Moraes, simplesmente desapareceu. O telefone foi desligado e o site da instituição saiu do ar por falta de pagamento ao provedor.

No caso da Dinero, assim como ocorreu com a Agente BR, a Polícia Federal instaurou inquérito, que corre em sigilo, a pedido do Ministério Público de São Paulo. E embora seja recorrente a reclamação dos investidores da Dinero de que nada está sendo feito, Rodrigo Sanfurgo, chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros, garante que todas as medidas estão sendo tomadas com o objetivo de terminar a investigação o mais rápido possível, até para que a Justiça possa responsabilizar os possíveis culpados. "É interesse da Polícia Federal terminar esse caso", afirma Sanfurgo. "Todos os esforços estão sendo feitos para que o caso seja solucionado; as informações estão chegando e os dados estão sendo cruzados."

Para Sanfurgo, o fato de o inquérito seguir em sigilo pode dar a sensação aos investidores de que nada está sendo feito. "Mas muitas vítimas já foram ouvidas, prestaram esclarecimentos", diz ele, lembrando que certa vez dois delegados foram designados a ouvir as pessoas. "O mercado financeiro é por demais complexo, mas o caso não está numa gaveta ou numa pilha", afirma. Segundo ele, pelo menos 450 pessoas foram lesadas pela Dinero, num prejuízo que ultrapassa os R$ 23 milhões.

Por isso, buscar informações junto aos órgãos reguladores - como a Comissão de Valores Mobliários (CVM) e Banco Central (BC) - sobre a instituição na qual o investidor pretende aplicar é importante. O fundador da Dinero, Wagner de Aguiar Moraes, era executivo de uma empresa de telefonia quando começou a fazer alguns investimentos em bolsa e, segundo contam os colegas, gabava-se de obter grandes retornos.

O sucesso levou-o a operar para alguns colegas de trabalho e, mais tarde, ele montou dois clubes de investimento, batizados de Axt BV e Axt MF, com direito a site na internet para informar os investidores sobre o desempenho das aplicações. E chamou o irmão, Alexandre de Aguiar Moraes, e dois colegas de trabalho, Wanderley Dias Bertolucci e Marcelo Costa Rocha, para ajudar.

Os pretensos clubes, no entanto, não possuíam registro na Bovespa e ninguém era autorizado pela CVM a fazer gestão de recursos. Tanto que, em 14 de abril de 2009, a autarquia encaminhou aviso ao mercado alertando que Moraes e seus colegas estavam oferecendo cotas de clubes de maneira irregular. Os clubes, então, foram fechados, mas, em outubro daquele ano, ele criou a Dinero. Os recursos, então, foram transferidos para a nova empresa.

O sonho de Laudejor Coutinho de levar o filho para um tratamento de saúde nos Estados Unidos teve de ser adiado. Após pouco mais de 11 anos trabalhando numa empresa de telefonia, ele foi demitido e colocou os R$ 182,5 mil que recebeu na Dinero. "Não consegui levar o meu filho para fora para fazer o tratamento e estou até agora tentando ajeitar a minha vida financeira", lamenta ele.

O Valor tentou por diversas vezes contato com Wagner Moraes ou com algum representante do empresário, mas não teve sucesso.

De todos os casos citados, apenas os responsáveis pela Gallus e pela Firv acabaram presos. O dono da Avestruz Master morreu. E a falência da Boi Gordo se arrasta na Justiça.

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