Brasil e China

Samir Keedi
Professor de MBA, autor de vários livros em comércio exterior, transporte e logística, tradutor de Incoterms 2000, membro da CCI-Paris na revisão do Incoterms 2010
E-mail: samir@aduaneiras.com.br

O Brasil continua achando que os seus problemas de comércio exterior e econômicos são causados pela China. Percebemos isso o tempo todo em várias situações. Agora já temos até o “importômetro”, para medir a quantidade de empregos perdidos pelos brasileiros em face das importações. Gostaríamos de entender o que está acontecendo com este País e suas cabeças, supostamente inteligentes.

Não se pode reclamar da China, se a culpa do que está acontecendo é dos próprios brasileiros. Da população e do governo, em partes iguais. Se de um lado é culpa do governo que faz tudo errado, por outro é nossa que admitimos tudo. Povo cordeiro, só pode ser tosquiado.

E, de quebra, culpamos as crises internacionais. Estamos fazendo isso há mais de três décadas. Período em que crescemos em média apenas 2,5% ao ano. Enquanto todos os países do mundo cresceram, tiveram recessão etc.

A China é um bom exemplo a seguir e não execrar. Saiu de uma renda per capita de bem menos de 10% da brasileira, nos anos 1970, para cerca de metade dela hoje. Num vigoroso crescimento médio de 10% ao ano desde 1979. E que nem sentiu a crise de 2008/2009. E nem sentiu muito ainda a atual.

Assim, não há como se dizer que o País não cresce em face do restante do mundo. E das poucas crises pelas quais o mundo passou. O Brasil não cresce por sua própria culpa. Como disse o presidente chinês à presidente do Brasil, no início de 2011, em visita à China, o problema do Brasil é o Brasil, não a China.

A China tem feito a sua parte. Mantendo uma taxa de inflação de cerca de 5% ao ano, que não é muito elevada e hoje está mais baixa. Com taxa de juros coerente com sua inflação. E com investimento elevadíssimo, de mais de 40% do PIB (Produto Interno Bruto). Dando chance ao crescimento. Criando um belo mercado consumidor. Em que cerca de 600 milhões, quase metade da sua população, foram retirados da pobreza em três décadas. Que hoje consome extraordinariamente, fazendo com que o país tenha lá todos os grandes bancos do mundo. Todas as grandes cadeias de supermercados. O maior mercado do mundo de automóveis, telefones etc. E compra muito do Brasil e está ajudando. Aliás, o Brasil tem superávit grande com a China.

Enquanto isso, criticamos fartamente a China pelas nossas agruras. Com quem não conseguimos competir em nada. Para quem vendemos minério de ferro, e depois compramos trilhos, por preço muito maior. Assim, partindo para os fatos, seria de se perguntar, singelamente, por que não produzimos aqui os trilhos para nossas ferrovias. Pergunta difícil essa, que não vamos fazer (sic).

Seguindo as sábias palavras do presidente chinês, devemos fazer nossa lição de casa. E, após isso, se for o caso, reclamarmos deles e dos outros.

A China tem taxa de juros, como dissemos, em consonância com a taxa de inflação. Enquanto a nossa é quase o dobro da inflação. O que retira das empresas brasileiras as condições de investir. E, por mal de todos os pecados, embora a taxa Selic seja agora de “apenas” 10,5% ao ano, nenhum empresário brasileiro obtém empréstimo para a produção por menos do dobro ou triplo disso. Os consumidores, então, chegam a pagar mais de 200% pelas compras com cartão de crédito. E quase isso no empréstimo pessoal.

A carga tributária da China é de 17%. O que significa, aos trabalhadores e consumidores, uma renda pessoal adequada para consumo. No Brasil, a carga tributária gira ao redor de 35%. A mais alta do mundo em termos relativos ao PIB, e considerando o retorno dela à população. No Brasil, temos de ter convênio médico particular, para termos uma saúde adequada. Temos de pagar a escola, para obtermos um estudo minimamente razoável. Temos de pagar segurança, para termos um mínimo de tranquilidade. Considerando tudo isso, podemos afirmar que “a carga tributária brasileira real é de cerca de 50%”.

A taxa de investimento na China, como relatamos, é de 45%, com mínimo de 40% do PIB. Em que a produção é valorizada. O país quer crescer, e tem conseguido, por meio da produção de mercadorias. E não de produção financeira (sic). No Brasil, segundo dados conhecidos, o investimento, entre 1995 e 2011, teve 18%. Ou seja, menos do que o necessário para simples manutenção. Considerando que máquinas, equipamentos, veículos têm taxa de depreciação anual de 20%. Analisando os fatos fica a sensação de que o crescimento obtido pelo País nessas três décadas, de acordo com o investimento, é absolutamente exorbitante. E, certamente, explicado apenas pelo aumento da produtividade.

Assim, é fácil entendermos que o problema de crescimento do Brasil não é do mundo. Muito menos da China. O problema é interno. Tudo que temos de errado é made in Brazil. Pura criatividade tupiniquim. Que fica tentando redescobrir a roda.

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