Protecionismo abre as portas a carroças

Correio Braziliense - 09/10/2011
Economia - Sílvio Ribas

Para analistas, ações como a alta do IPI sobre carros importados farão mal à indústria, que deixará de investir na modernização da produção

As duas décadas de abertura comercial no Brasil — foi em 1990, no governo Fernando Collor, que o país optou pela concorrência para favorecer os consumidores — estão sob ameaça, pelo menos no setor automotivo. Há pouco mais de três semanas, o governo, num surto de retrocesso, decidiu aumentar em 30 pontos percentuais o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) cobrado nos carros importados. A justificativa da presidente Dilma Rousseff para a decisão foi a necessidade de proteger as montadoras nacionais e garantir empregos no país.

O passo atrás não só adia a competição com produtos importados, em especial com os asiáticos (chineses e coreanos), como incentiva a indústria doméstica a se acomodar nos braços esplêndidos da reserva de mercado. Resultado: mais uma vez, o lado fraco da moeda, os consumidores, será o grande prejudicado pela onda protecionista adotada pelo Brasil — justamente o país que mais gritou contra ela nos últimos anos.

Os dados são contundentes. Em 1990, o país abrigava quatro montadoras instaladas, que ofereciam apenas 65 modelos e versões. Hoje, são 48 marcas e mais de 1,1 mil produtos diferentes. Mas não é só: a valores de hoje, a versão básica do Gol, da Volkswagen, que custava R$ 94,4 mil há duas décadas, sai, agora por R$ 26,4 mil — uma redução de 72%. No caso do Uno, da Fiat, a queda no preço foi ainda maior. O modelo mais simples ficou 77,8% mais barato — caiu de R$ 106,1 mil para R$ 23,5 mil. Ou seja, se a liberação das fronteiras comerciais representou uma mudança radical no perfil do setor automotivo, com modernização da frota e redução de preços, o pior pode estar de volta.

Os especialistas não têm dúvidas de que, em vez de fechar as fronteiras, o governo deveria estimular os investimentos, reduzir a carga tributária, pôr um freio na burocracia e melhorar a logística para a distribuição dos veículos. Esse, sim, é o caminho para ampliar a oferta de carros produzidos no país a preços competitivos. Para o Márcio Antônio Salvato, professor do Ibmec-MG, a reação protecionista para forçar a elevação da produção nacional, com pelo menos 65% das peças produzidas aqui, trará duro e imediato impacto sobre os atuais custos das cadeias automotivas.

A seu ver, as vendas recordes da indústria nacional — o Brasil já é o quarto maior mercado do mundo — refletem a grande demanda reprimida, e o avanço das importações revela a perda de competitividade da produção local. “Espero ainda que o governo consiga provar que a elevação do IPI vai favorecer o Brasil na disputa por investimentos com outros países. Até agora, isso não aconteceu”, ironiza.

Descontrole
Quanto à preocupação com os desdobramentos na atualização tecnológica e qualidade dos carros vendidos no país, as opiniões se divergem. A maioria dos analistas acredita que as novidades ficarão mais caras, mas continuarão sendo ditadas pela globalização. Eles lembram, contudo, que os benefícios colhidos até agora falam por si. “A tendência é de o consumidor pagar mais por menos. Mas o pior de tudo é que outros setores industriais, como o calçadista e o têxtil, também já conseguiram proteção igual à obtida pelos automóveis. Caso se confirmem novas barreiras, a política retrógrada se generalizará e os prejuízos também”, destaca o economista Rodrigo Constantino, do Instituto Millenium.

Para ele, esse “novo modelo” de política industrial, adotado com o propósito de gerar empregos, já começou falhando ao levar marcas chinesas a rever investimentos em fábricas no país, além de abrigar ineficiências e pressões inflacionárias. “A postura do Brasil leva a menos inovação e a mais custo, além de encorajar novas posturas protecionistas de outros países, como os Estados Unidos”, resume.

O argumento de que o futuro das montadoras instaladas em território brasileiro estavam sendo ameaçadas com uma avalanche de importados é “amplamente falacioso” na opinião de Constantino. Prova disso é que 63% das importações brasileiras de veículos no ano passado se concentram no Mercosul e no México, excluídos da alta do IPI. Das 680 mil unidades trazidas de fora neste ano, 429 mil vieram de Argentina, Uruguai e México. “Os modelos que concorrem com os produzidos no bloco têm só 3,3% do mercado e as empresas instaladas já estavam ganhando muito com o crescimento da economia”, ressalta.

Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, entende que a mudança de rumo na política de comércio exterior do país reflete ajustes motivados pelas incertezas no cenário externo, além de novo resgate de teorias apoiadas na intervenção estatal, ressuscitadas desde 2008. Ele considera a alta do IPI uma medida, em princípio, válida, ao mirar a ampliação do conteúdo local dos carros produzidos no país para 65%, no mínimo, mas teme que ela também reflita uma falta de planejamento do governo. “Da forma repentina como foi anunciada, ficaram dúvidas se todos os impactos foram considerados”, diz.

Coco ralado protegido
O protecionismo no Brasil é tão absurdo que até o coco ralado conta com benesses do governo para não enfrentar a concorrência dos importados. Há quase uma década, foram baixadas salvaguardas com o intuito de estimular os produtores a investirem na modernização das fábricas. Mas pouco foi feito. Os benefícios vencerão em 2012, e o que se percebe no setor é que, caso as fronteiras sejam abertas novamente, o coco ralado brasileiro poderá sofrer um forte revés.

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